Locais...
Para Dar Uso, SFF!
Correspondência Interna
Thursday, June 30, 2005
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"Pornografia Fundamental"

Invento-te. No meio do ar. E trago-te para o meu chão, para este chão que tenho perante mim.
Escorrego na tua pele branca. Sinto a ameaça dos contrastes que trazes em ti.
Olho-te. Cresço. Reconheço o caminho para o centro dos teus lábios.

Tenho anjos nas mãos. Mostro-tos. Tu nada dizes. E a tua resposta sufoca-me: uma divindade maior expressa-se na pornografia fundamental da tua pele nua comprimida contra o chão.

Segredas-me que as coisas brancas conhecem o destino das tensões extremas.

Tenho encantamentos nas palavras. Mas calo-me agora. Vejo que tens em ti o universo de todas as coisas brancas.

E assalta-me a tua imagem nua, deitada de perfil no chão frio.

E sei que tens as grandes extensões do espaço, condensadas, num gesto que a tua silhueta branca ainda sustém.


Creio. Creio que em ti poderia ver as margens mais distantes da Beleza. As que persigo, todos os dias, em complicados esquemas de palavras e pontuações.
Observo o teu silêncio. O teu olhar fixo em mim. O incêndio que alimentas no meu interior, com os teus movimentos leves, de água.

Falo. Insisto que és um corpo maior. Insisto que existem astros bêbedos no meio das tuas pernas.
Sei que existem estrelas alucinadas na geometria branca com que desenhas a tua presença felina pela casa, pelos espaços, no amâgo violento de cada uma das minhas palavras.

Escrevo-te porque persigo a Pureza fundamental, feita de fogo e de astros. Feita de palavras alucinadas e de galáxias bêbedas. Feita de percepções que conhecem a geometria assimétrica das grandes explosões da Beleza.

Acredito no teu corpo. Concreto. E na tua imensidão de dias. Na precisão do teu desejo. Na acutilância das tuas derivações pornográficas.
Na tua líbido que se subtrai ao chão frio e me entra pela boca dentro, incendiando todas as coisas que em mim são palavras.

Em ti pressinto o caminho para lá da morte.
Sei que morreria em ti.
E sei que voltariam os dias iguais, as semanas parecidas, os meses semelhantes.

Mas, agora, tenho as chamas dentro de mim.

E acordo com anjos nas mãos e encantamentos nas palavras.
E tu regressas, investida da tua pornografia fundamental.
Há uma geometria impossível. Astros que tombam da tua pele. Galáxias que se consomem na sudação mútua.

Explico-te que as estrelas conhecem a terra do fogo.

Dás-me equações improváveis. E eu dou-te a anarquia das grandes explosões do amor e de todas as coisas brancas.
Explico-te que nada é improvável.

Dás-me a tua imensidão de dias. E eu sequestro a comburência das tua modulações de fêmea.
E abro com os dedos, com os lábios, com as palavras e com o corpo, o caminho para lá da morte.

Por entre os loucos, os sábios, os santos, os criminososos e os deuses que habitam os nossos corpos e a espessura errática do nosso olhar.

Talvez nos viciemos na morte. Na vida. Na tensão extrema.
Ou talvez encontremos as águas essenciais.

Eu insistirei na tua agilidade errática,
No teu desenho branco em todos so espaços,
No chão, no ar, nos meus lábios, no meu corpo.

E tu insistirás na minha violência criadora.
Nos caminhos que descubro quando embebedo os teus astros e dou o estertor da alucinação às tuas estrelas.

E seremos, os dois, labaredas entrançadas,
Corpos espalhados ao amanhecer,
Corpos viciados na violência das compressões,
Corpos de coisas como água, amor, pornografia,
E Beleza.

E, no chão frio que amanhece, seremos imagens nítidas:

das lendas do fogo

e das verdades fundamentais.

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Sunday, June 26, 2005
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Andei aqui com uns problemas... Este espçao em branco. Os comentários desapareceram... Os links também... Mas parece já estar tudo ok... Espero...

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"Vulcano"

Isto cresce num mundo de dentro. Muito de dentro. E o que sinto é uma torrente, ainda fluída, que se vai espalhando pelo meu corpo. Conheço os sinais. Uma forma diferente de ver. Mais acutilante. Uma forma diferente de cheirar. Mais nítida. Uma forma diferente de tocar. Mais volátil. Uma forma diferente de sentir a proximidade das coisas nos lábios. Mais premente.

E, à medida que essa torrente se torna mais espessa, os meus neurotransmissores assimilam imagens, fotografias bruscas de coisas brancas, de contrastes violentos, de coisas como cabelos, pele, palavras, lábios, horas, dias, quotidiano, banalidade, e a suprema explosão do sexo.

Há algo de águia nas fotografias. Há algo de falcão nas imagens que então me atravessam os dias.

E me conduzem. Pelo trilho do fogo.
Pelas estradas de incêndio. Pelos caminhos onde só andam a noite e os que amam o movimento rutilante das labaredas.

Conduzem-me. Por trilhos onde o fogo produz encantamentos que duram para sempre.
E eu sinto estes dias de fogo arderem dentro de mim. E sei a demência das chamas. E sei a sanidade extrema dos corpos ardidos. E sei a santidade implacável dos corpos que se entregam ao fogo.

Há dias em que sinto a terra inteira a arder.
Há dias em que atearia fogo a todas as coisas brancas. A todas as coisas que são coisas como cabelos, lábios, pele, esgares, silêncios, quadris. Não sei, há dias em que atearia fogo a todas as metáforas.

Porque eu acredito nas grandes devastações. Eu acredito nas grandes catástrofes. Eu acredito nas explosões imensas. Eu acredito nos astros que se suicidam colidindo contra a mediania dos dias.

Eu acredito na paixão. Acredito no fogo.

Acredito nas imagens bruscas. Acredito nos contrastes violentos. Acredito em todas as coisas que criam coisas maiores do que as coisas que os dias trazem.

Acredito na suprema vigência dos corpos enfeitiçados pelas coisas do fogo.
Acredito no amor intenso, brilhante.
Acredito em momentos que se cravam nos dias como facas de chamas que os corpos criam.

Acredito no amor. E na morte. E na compressão de ambos.
Na tensão extrema. No último abismo.

Acredito na queda imparável.
Acredito no incêndio incontrolável.
Acredito no fim.

E acredito na inocência de água dos corpos ardidos, por entre as margens do amanhecer...

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Saturday, June 25, 2005
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"Sábado e as coisas imensas e a lógica"

Podia um dia contar-te a história toda. Podia um dia encher páginas com coisas que, no momento em que as vivi, logo senti que eram poesia e que, assim sendo, o seu lugar era tanto no mundo onde as criavas como neste mundo de papel onde agora te recrio.
Podia contar a história toda. Posso olhar para a rua lá fora, para o sol descendente, para a insuportável nostalgia deste sábado, e encontrar em cada fragmento de espaço o tom certo para escrever no pretérito uma história que não deveria ter fim.

Ao invés disso, ando pela casa. À espera que as horas passem. Sem saber o que espero no final da sua passagam. Sem nada esperar. Esperar apenas que passem e que já não exista o sol descendente e a nostalgia de sábado.
E sei que existirá depois a noite e a melancolia das horas. O peso das coisas densas.
Não há sentido em esperar. Mas não sei que outra coisa fazer.

Sinto-me um pouco ridículo ao andar pela casa. Sei que espero, em cada coisa, o milagre da tua presença. E vejo-me de fora, tão homem, tão forte, enquanto finjo que nada espero, que apenas estou envolvido pelo tédio e que, por isso, deixo as horas passarem.
Arrumo as coisas que a criança deixou em desordem. E também esta desordem é uma promessa impossível da sua presença agora. E de tudo o que isso mudaria. E então não arrumo. Deixo a desordem. Contemplo-a. Procuro acrescentar-me nas coisas espalhadas, desarrumadas. Talvez assim não me sinta tão fora de tudo. Talvez assim não sinta que ando pela casa.

É triste andar pela casa. É muito triste andar pela casa. É triste ter o telefone perto, olhar para ele como quem olha casualmente, e saber que não existem chamadas, mensagens. Um erro que fosse. Porque é que nunca te enganas e marcas o meu número?
Vês? São este tipo de pensamentos pobres que nos ocorrem quando andamos pela casa. E olhamos para nós e tentamos ver outra coisa que não seja um homem de quase 30 anos, divorciado e divorciado e separado, e com o filho a passar o fim de semana com a mãe, e este homem de quase 30 anos a andar pela casa a ver onde apareces, ou onde se enquadra, ou onde se pode esconder e fugir da presença aterradora deste sábado que não passa.
Olhamos para nós e não queremos ver isto. E, com um pouco de persistência, talvez possamos ver as palavras, e ver um pouco do tanto que já vivemos, e lembrar outros sábados, e trazer risos para perto de nós, e a majestosa vitória do amor desenhada numa nudez de corpos, uma nudez branca, violenta, espalhada pelo chão e pela cama e pela mesa, trazer abraços e promessas, trazer tardes que caíam, como esta, mas em que as coisas estavam mais condensadas, preenchidas na sua desordem de afectos, e a nostalgia era só algo que eu sabia que um dia viria, quando todas essas coisas acabassem. Porque todas as coisas acabam. E eu sempre soube disso. E se sei que renascem é porque, como alguém disse, "nada do que é importante se perde verdadeiramente". E então, eu "apenas perdi a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre".

Posso ver isto tudo, e então pressinto algo na esfera do destino. Porque para ver isto tudo, tenho que sair de mim, e ver-me numa lógica de continuidade, num caminho de causalidade temporal. E, por isso, ainda que esbatidas, vejo todas as tardes de sábado, e vejo-me através delas, caminhando pelas semanas e pleos meses e pelos anos, na direcção de alguma coisa. A imagem de destino surge aí. Nessa visualização mental de um percurso no tempo.
Só que depois é sábado. Quase fim de tarde. E eu estou em casa. E não está aqui ninguém. E as horas demoram. E eu ando de um lado para o outro. Como se tivesse coisas para fazer. Como se a tarde não me chegasse.
Mas sei que só ando de um lado para o outro. E não me lembro de nada que tenha para fazer. E a tarde não importa, porque depois será noite e será tudo o mesmo, a mesma coisa.

E que destino existe nisto? Nos anos, caminhei para onde? Para aqui? Para este sábado? Ou este sábado não conta e a vida recomeça amanhã?
Não sei. Até pode ser que sim. O que sei é que este sábado existe. E eu ando de um lado para o outro. Procurando onde caber. E a casa é grande. É grande demais. Sobra sempre espaço. O tal espaço onde cabe a tarde, onde cabes tu, onde cabe a criança, onde cabem todos os risos e todo o amor que vivi. A casa é muito grande.

Sabes, hoje era capaz de viver uma grande história de amor. Era mesmo. Hoje era capaz de amar uma desconhecida toda a tarde e toda a noite, até ser dia. Lembro-me, ironicamente, que quando te conheci também te amei toda a noite. E também eras uma desconhecida. Não eras, porque reconhecias o meu cheiro e eu reconhecia o desenho de ternura do teu sorriso. Mas nesses dias eu ainda não acreditava nestas coisas e, então, tu eras uma desconhecida. De todas formas, quando digo que hoje amaria uma desconhecida, falo de uma desconhecida mesmo, e não de alguém que reencontramos, e vira a nossa vida ao contrário, e depois perdemos e é sábado e andamos às voltas pela casa.
Uma desconhecida mesmo. Mas claro, claro que viveria essa aura de coisas mágicas. Por uma noite apenas. Tu sabes o que quero dizer. Sabes que não é à contracção rítmica dos músculos em redor dos epidídimos, da próstata e das vesículas seminais, que me refiro. Sabes que falo das grnades lutas, dos grandes combates, da ocupação do mundo por coisas como o amor, a morte, o destino. Coisas grandiosas que são amar. Sim, tu sabes que amar são estas coisas imensas, densas. E viveria isto com uma desconhecida. Amá-la-ia. Para não te procurar. Para não ser sábado. Para ser tempo de coisas imensas.

Mas não. Porque é sábado e a única forma de isso acontecer seria essa desconhecida vir bater à porta de minha casa e dizer que queria ser amada por mim. Isso não acontece. E o resto não quero. Porque o resto são esquemas e tácticas e coisas mais próximas de contracções musculares do que de combates épicos. E eu amo as coisas grandes.
E talvez seja melhor assim. Às tantas, ainda daria por mim a procurar o teu cheiro, a tua voz, as emanações da tua pele no corpo de outra mulher. E isso seria pior ainda. Pedir-lhe-ia para ficar sozinho, sendo que ironicamente o faria por estar na mais atroz das solidões. E depois andaria pela casa, e chamaria por ti, e provavelmente dir-te-ia para desapareceres, dir-te-ia para me deixares viver a minha vida agora que estás tão bem a viver a tua, e seria uma parvoíce porque nem sei como vives a tua vida. E então só diria asneiras, sentir-me-ia mal e acabaria a noite a travar o gigantesco combate do amor com o teu fantasma. E dormiria sozinho muito sozinho. Porque os fantasmas nem dormem nem existem.

Olho para os meus livros. Gosto de olhar para eles. Estou a olhar para "Trópico de Capricórnio", e penso nesses dias todos que Henry Miller escreveu. Todos os dias que são retratados nas páginas deste livro. E penso que, quando ele os viveu, deveria ter existido tédio e tardes de sábado e coisas como fantasmas. E um dia, todos esses dias acabaram condensados numa aprendizagem existencial, e foram escritos.
Tu sabes bem que esse é o caminho que procuro para fugir a estas coisas que sinto sobre os dias e sobre as coisas. Tu sabes que, dentro de mim, procuro ver as coisas numa lógica de aprendizagem existencial. Tu sabes que justifico muitas coisas nos meus dias com a ideia que mais tarde as escreverei. Que mais tarde serei sábio. E imenso. E saberei o que significam sábados destes, e saberei porque é que se anda às voltas pela casa, e saberei porque é que se está longe de quem se ama, e saberei porque é que se vivem horas assim, numa ânsia de algo imenso, e depois só temos mais horas, e insónia, e sono por fim.
Sabes que é assim que, por dentro, construo a minha vida. E, por isso, acredito que existe uma lógica nas coisas. E que o meu caminho é este. E que os meus erros terão, na criação, algo de parecido com um remissão. E que então, no futuro, as coisas todas farão sentido.

E não sei se acreditas nisto ou não. Não sei se achas que realmente vou em direcção a alguma coisa, ou se ando só aqui a pensar em dias que nunca existirão enquanto a minha vida encalha num sábado que não passa.
Eu acredito nisto, tu sabes. Mas também sabes que tenho um bocado de medo? É que tenho a noção do risco, sabes? E em tudo o que tenho vivido, sei perfeitamente que ou tenho razão e o futuro será fantástico, ou não tenho razão e esta história, de fracasso em fracasso, ainda pode acabar muito mal.
Às vezes, sabes, nem sei se acredito nisto porque sim, ou se acredito em desespero de causa. De todas as formas, e dadas as condicionantes, esta tarde de sábado não é a melhor altura para pensar nisso.

Sinto a tua falta. Sinto a falta de muitas coisas. Muitas mesmo. Sou um tipo de quase 30 anos que não sabe o que há-de fazer com um sábado. Poderei, depois disto, dizer que saberia o que fazer com a minha vida se tudo estivesse bem, e se tu estivesses aqui? Poderia. E saberia. Os sábados podem ser coisas bem mais complicadas de lidar com do que o amor de uma vida, e o amor nos dias todos.

É por isso que tenho estado aqui sentado a escrever. Porque é a minha forma de lutar contra um sábado difícil. Existem outras. Mas não as tenho. A criança, perto de mim, o teu amor e o teu riso. Essas coisas enormes, imensas, gigantescas. Essas coisas que ocupam o espaço todo. Todo. E eu já te disse que a casa é grande.

E eu talvez o seja um dia. Quando escrever tudo. Talvez.
Mas agora, a criança e o teu amor e o teu riso é que me tornariam maior.
Sim, maior.
A casa não me pareceria tão grande. E tão vazia.
E eu caberia nela, bem. Sem frio ou nostalgia. Sem pensar se era sábado.
Sem pensar em nada de especial.
Sem pensar nas coisas especiais que estão longe.

Sem pensar que talvez exista uma lógica nisto tudo.
Porque talvez no futuro me reescreva, mas o que desde o início te quero dizer é, precisamente, que não existe lógica nenhuma nisto.
Nenhuma.

Porto, 25 de Junho de 2005.

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"25 de Junho"

Lamento mas hoje não tenho palavras ágeis.
Lamento, mas hoje estou, como escreveu o poeta, entre astros desmoronados, mananciais, o segredo.
Lamento.
Olho para ti e a verdade é que não te vejo. Forço-me a olhar. e olho. Mas não vejo. Não vejo.
Não sei se é do teu silêncio violento, da brutalidade da tua ausência total, o que sei é que me sinto vazio. Braços que, sem grande convicção, remexem nos astros desmoronados, palavras que, sem grande fé, aproveitam a noite para invocarem os mananciais. Uma ânsia de segredos.

E nada nos dias disto tudo.

E eu, eu suporto tudo. Eu sei lidar com tudo. E, quando não sei, lido na mesma. E invento frases que se adequam, crio linhas musicais que suspendem os momentos difíceis.
Suspensos, eu penso, e descubro a fórmula para rodar o mundo ao contrário e nesse movmento de Luzes vejo desenhar-se o caminho exacto dos teus lábios.

Mas nada. Eu não sei lidar com nada. Nada é uma abstracção. E eu não sei lidar com abstracções que se plantam no meio dos dias. Eu não sei lidar com nada.

E nota: "silêncio violento". O adjectivo é meu. "brutalidade da tua ausência". O adjectivo é meu.
Eu é que dou os adjectvos e são eles que criam a ilusão de uma natureza no nada. O nada não tem natureza.

Eu não sei se é nada que tu tens.
Mas sei que é nada o que tenho de ti.
E o nada emperra tudo. Tolhe as palavras ágeis. Comprime-me para o chão frio onde apenas vislumbro os astros desmoronados, os mananciais, o segredo...
Tudo, hoje, irremediavelmente distante.

Precisava, precisava de encontrar uma forma de sair daqui.
E podia ser pelo sonho. Anular a realidade e sonhar-te.

Mas compreende que não é essa a minha pureza.
A minha é uma pureza de dias.
De dias encostados aos muros das semanas e dos meses, de grandes coisas empurradas contra o trilho dos anos. Dias e coisas enormes espremidas, reveladas na sua natureza essencial.
Não posso fazer de conta e sonhar. Não posso.
Não é esse o espectro da minha pureza, entendes?

Preferia falar-te do Amor, da Vida, da Solidão e da Morte. Falar-te mesmo, com palavras vivas, palavras de fogo e de sangue. Palavras que não param de explodir nas horas dos dias.

Mas não posso. Não posso porque era de ti que precisava.
Não era do nada.

Talvez pudesse falar comigo, de mim. Mas, sabes, em todas as coisas há uma semente sexual. em todas as coisas há uma lastro de erotismo, uma promessa de incêndio. E eu abomino o onanismo lexical.

Portanto calo-me.
E espero.

E olho os astros desmoronados,
Os mananciais,
O Segredo.

Até ser dia.

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Wednesday, June 22, 2005
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Intensamente

Hoje, ao final da tarde, fiquei a saber que o blog Intensidades acabou. Foi com tristeza que o soube, por todas as razões e mais algumas. As todas são, evidentemente, razões pessoais das quais me vou abster de falar. As mais algumas, essas posso mencionar...

O Intensidades é um blog que eu vi nascer. Aliás, fui a primeira pessoa que lá deixei um comentário, há uns meses atrás. Tive pena que tivesse terminado, porque existia sempre algo de novo no Intensidades. Existia sempre um pedaço da Joaníssma que, de uma ou de outra forma, tornava mais intenso o meu dia.
Existiam palavras, palavras bonitas. Cadenciadas. Ritmadas. Palavras que quase soavam a música. Muitas vezes abria o meu browser no Intensidades e era capaz de jurar que ouvia música.
E, num certo sentido, ouvia mesmo. Porque aquilo que a Joaníssima fazia era um bocadinho mais do que escrever.
Era um bocadinho mais. Mais qualquer coisa que tem a ver com a própria essência dela enquanto pessoa mas que eu não sei definir. Quem conhece a Joaníssima sabe bem do que falo. Há uma força dentro dela que parece iluminar o que a rodeia. E não parece só. Ilumina mesmo.

Eu acho que cada pessoa sabe quando faz sentido ter, ou não, um blog. Eu já tive vários, e já terminei alguns. Este, que é o mais antigo, nunca lhe coloquei um ponto final (e duvido que algum dia o faça) porque foi o primeiro que criei e, por outro lado, porque a forma como lido com ele me permite postar todos os dias ou, como já aconteceu, não o fazer durante meses. Ultimamente tenho escrito mais e, por isso, tenho actualizado o blog quase todos os dias. Um destes dias, o CI poderá muito bem ficar sem ser actualizado longos tempos. Não me forço a escrever. E existem alturas em que escrevo muito. Outras em que não escrevo nada.

Portanto, o que com isto quero dizer, é que um blog é sempre uma criação do seu autor. E só o seu autor conhece as motivações profundas que o levaram a criá-lo, as mutações que este terá sofrido ao longo do tempo, a sua adequação aos dias e, eventualmente, sentir que o seu tempo de existência terminou. São questões que eu considero estritamente pessoais. Muito pessoais. E, por isso mesmo, apesar de me sentir triste por não poder mais ler coisas novas no "Intensidades", acho que só a Joaníssima poderá entender as razões que a levaram a tomar a decisão que tomou. E, portanto, devem ser respeitadas.

Acima de todas as coisas, e ao invés de manifestar a minha tristeza pelo fim do "Intensidades", apetece-me, por um breve segundo, celebrar o facto de uma coisa como o "intensidades" ter existido e, por isso, ter tornado o mundo um bocadinho mais bonito. Só mais um bocadinho. Só mais aquele bocadinho que acima mencionei...

"Porque sentir «apenas» não basta...."

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Tuesday, June 21, 2005
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"Verão"

De repente reparei no maravilhoso dia de Sol que está lá fora, hoje que começa o Verão.
Por tudo, o Verão é a estação do ano que mais me diz. Porque nasci no Verão.
Sou um filho do Verão, portanto. Porque nasci num dia especialmente quente. Porque também nasci numa terça-feira. Hoje é para mim um dia especial. E sinto que a vida lá fora se celebra. Com uma força imensa. Com uma intensidade que varre todas as coisas à sua passagem.
Amo esta Luz.
Amo este calor.
Amo este ar denso, saturado.
Que me torna mais leve. Mais ágil.
Sou filho destes dias. E nestes dias, regresso a casa. Ao útero.
Ao útero quente da terra que me gerou em dias como este.
Sou filho dos mares frios que, nestes dias, me chamam pelo corpo, oferecendo-lhe o milagre da purificação dos músculos e da alma.
Sou filho dos dias de praia e dos dias de cidades abafadas.
Sou filho dos ares que mal se podem respirar e que, no entanto, nos enchem de uma pureza quente a cada inspiração.
Sou filho dos dias que anoitecem devagar.
Sou filho das noites que se suspendem durante horas, como se elas próprias celebrassem a luminosidade de dias assim.
Sou filho das noites quentes. Das noites em que quase não se pode dormir de tanto se transpirar. Das noites em que se dorme de janela aberta e não se pode, ainda assim, fugir ao calor. Das noites em que se dorme mal. E se sente que se dorme com o mundo inteiro em cima. Tão pesado. E tão leve e ágil.

Sou filho dos dias que agora começam.
E celebro o regresso dos dias que me fizeram.

Celebro, todos os anos, o eterno regresso de mim a mim próprio.

O Verão começou.

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Y el verano empeza hoy...

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Sunday, June 19, 2005
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"Novembro"

Vou morrer num dia de Novembro.
Quando já todas as folhas tiverem caído.
Não será o próximo, ou um próximo sequer,
Mas será, seguramente, um dia de Novembro,
Quando todas as folhas tiverem já caído.
Esse dia de Novembro nascerá límpido,
Cromatizado pelas chuvas que, entretanto, durante a noite,
Insistirem em cair.

Sempre existiram chuvas nas mortes que mataram um pouco da minha vida.
Existirão chuvas no dia de Novembro em que eu morrer.

O jardim, aqui ao lado, estará repleto do seu movimento matinal.
O lago, onde tantas vezes fui dar pão aos patos, onde tantas vezes o meu filho foi dizer bom dia aos patos,
terá crianças em seu redor, crianças que dão pão e que dizem bom dia aos patos, levados pelas mãos eternas das mães e dos pais, que seguram as mãos de sempre dos seus filhos.

Será Novembro. Estará frio, e o orvalho será visível. O sol nascerá quase branco, na luminosidade pura dos dias gelados.

Será Novembro. Todas as folhas terão já caído.

Nesse dia, existirão amores mágicos. Todos os dias existem amores mágicos. Nesse dia existirão lágrimas, daquelas que o amor usa para se perpetuar...

Nesse dia existirão horas, e existirá o inevitável passar do tempo.

Existirão mãos que se prenderão para sempre. Existirão olhares que, por entre os dias, se perderão para sempre.
Será um dia de Novembro. Como os dias de Novembro são. Só que morrerei nesse dia.

A minha ausência talvez se note. No jardim. No jardim que eu amo como amo poucas coisas neste mundo.
Já lá não estarei sentado, a escrever. Terão passado anos desde os dias em que lá me sentava e escrevia, sempre, para ti.
Terão passado anos dos dias e das noites em que lá me sentarei, procurando a presença de todos os que amo e que, ao longo dos dias e dos anos, me forem falecendo e faltando.
Terão passado anos dos dias e das noites em que lá me sentarei, como já hoje o faço, a pensar no que se ganha e no que se perde na vida. E concluir que, no fim, só o Amor é importante. E até o amor se pode perder, como todas as coisas que existem.
Terão passados anos dos dias e das noites em que lá me sentarei levado pelo teu amor.

Noites e dias, em que lá me sentarei lembrando os dias em que te conheci. Os dias em que éramos promessas de sóis e de estrelas, impossíveis explosões de juventude.
E as crianças no meio de tudo isto. Sempre as crianças no meio dos dias. As crianças que crescem. O tempo que passa. Os dias que se acumulam e que nunca se anulam...

Um dia seremos velhos. E eu ver-te-ei, como numa óptica multifocal, através de todas as idades. E em todas terás sido Bela. E em todas serás Única. E em cada uma compreenderei que, na minha vida, só poderias ter sido tu. Sempre.
E sentir-me-ei abençoado.

Um dia já não regressarei do jardim para te lembrar que te amo. Um dia já lá não irei para ver o mundo, o sol, as luzes, os animais, as crianças, ver a tua presença dentro de mim, na minha circulação, no bater do músculo que trago no peito e que, sei-o, desisitirá num dia de Novembro, quando todas as folhas tiverem caído.

Então serei Luz. Ausência. Presença.
Serei Luz.
Intensa.

E começarei, como sempre, a procurar-te.

E um dia, muito depois do Novembro em que morri,
Com todas as folhas caídas,
Encontrar-te-ei outra vez. E ver-me-às.
E, não o sabendo, saberemos.

Existirão outras palavras.
Existirão outras fisionomias.
Existirão outras datas.

Mas algo nos fará prendermo-nos mais força quando for Fevereiro ou Novembro.

E não saberemos porquê.

Mas saberemos.

Como sempre o soubemos.

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Friday, June 17, 2005
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Como diz o Sérgio Godinho

"abriste a janela e voaste",

era o que eu, realmente, queria


abrir a janela e voar

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Tuesday, June 14, 2005
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"Detalhes"

As noites, já te o disse, trazem-me a loucura azul.
São astros meigos. Transportam através dos céus
A tua imagem e o teu cheiro.
Sabem que me atenuas a inquietude quando
Assim, nos braços de astros flamejantes,
Me entras pela casa e pela noite dentro.

O ar é ágil. Porque tu és ágil. E revolves o ar à minha volta.

É agora que sinto que, com palavras, posso parar o mundo.
É agora que sinto que, com coisas azuis, posso fazer rodar o mundo no sentido inverso.

Ponho uma música a tocar. Não, não pode ser uma qualquer.
Às vezes, à noite, acredito que sou mágico. E que a magia se constrói com coisas azuis
E com detalhes.

Já não está frio.
De noite nunca está.
De noite o ar á azul. E não há frio no azul.
De noite os astros trazem-te. E não há frio no azul.

Eu sei que vais, agora.

Mas tenho que te dizer
Que a noite está mais azul.

Não sei bem dizer-te,
Mas ficam sempre imagens de ti. E fica o teu cheiro.
Reconstruo-te como se reconstruísse a memória de uma flor azul.
E inicio o longo caminho da minha loucura.

Porque, sabes, a minha loucura azul
É encontrar-te inteira, una, em cada pormenor que deixas.

Ou, se preferires, em cada detalhe que deixaste.

A minha loucura azul são astros.
E estrelas e galáxias e luas e sóis.
Tudo isso que tu já sabes.

Mas o que tenho que te dizer,
E não sei bem como,
É que a minha loucura azul é o rastro de ti.

A minha loucura azul é encontrar o que deixaste nas minhas mãos.
E então não as vejo vazias. Vejo-as azuis.

Aminha loucura azul é encontrar o que deixaste na minha boca.
E então não a vejo seca, muda. Vejo-a azul.

A minha loucura azul é encontrar cada pedaço de ti que deixaste na minha vida.
E então não a vejo fria.
Não há frio no azul.

Mas tenho que te perguntar quando no azul te encontro?
É que às vezes eu acho que sou mágico.
E às vezes acho que se amar este azul todos os dias,
Um dia saberei escrever a nona cor do arco-íris.

E então será Verão nos teus dedos.
E então será Verão nos teus dias.

Entende que é isso, meu amor.
Tenho saudades do teu Verão.
Nos meus dedos.
E nos meus dias.

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Monday, June 13, 2005
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"Magma"

Ainda não é a hora das palavras.
Ainda é a hora das luzes quotidianas,
Dos dias iguais.

Em mim pressinto, porém, o teu cheiro.

E é o teu cheiro que me traz as palavras.

És uma explosão vulcânica em mim,
E a lava que me percorre por dentro,
Pelas veias até ao reduto final da minha mão esquerda,
São essas palavras que, com a noite, sempre chegam.

Entardece, sabes?
E sinto apenas uma tensão longínqua,
E eu sei que essa tensão,
Essa inquietação de instantes,
São as palavras que queimam tudo no seu caminho até
à minha mão esquerda.

Mas agora, agora tenho apenas uma inquietação.
Uma tensão.
Uma percepção de movimentos ocultos por detrás da face vísivel das coisas.
Uma movimentação de ares quase imperceptível.

E sonho com palavras.

Porque sempre achei tristes os entardeceres.
Porque sempre achei tristes todos os entardeceres.

Acho que faz sempre frio quando entardece.
Acho que há sempre folhas hesitantes nas árvores,
Folhas hesitantes que caem com a vibração fria do entardecer.
Acho que há um sopro qualquer de resignação nesta hora do dia.

Por isso sempre achei tristes os entardeceres.

Por isso estou aqui, parado, a olhar para ele,
E a sentir a movimentação vulcânica de ti dentro de mim,
A sentir a movimentação magmática das palavras que me dás.

Chegarão com a noite.

E, não sei como te dizer isto, mas sei que posso parar o mundo
Quando as palavras me inundam.

Sei que o posso fazer rodar no sentido inverso.

Sei que posso acabar com a hesitação da folha,
E com palavras segurá-la nos ramos
fazendo-a crer que é sempre Verão.

Sei que quando as palavras chegam,
A minha loucura azul se dedica à pilhagem
De todas as resignações.
Sei que quando as palavras chegam,
Os meus astros flamejantes saqueiam todas as
Frias vibrações.

Não te sei explicar muito bem.
Mas quando as palavras chegam,
Tudo se celebra numa loucura azul.

E os minutos embriagam-se de palavras ágeis.

Pressinto-te neste entardecer.
Sei que a tua lava desenha o seu caminho por dentro de mim.

Mas, meu amor,
Entardece. Muito.

Quando é que explodes na minha boca?
Entende que
Tenho saudades do teu Verão.

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Eugénio de Andrade (1923-2005)

Este post serve para homenagear um dos maiores poetas portugueses do século XX, hoje falecido. Refiro-me, obviamente, a Eugénio de Andrade. Morreu hoje com 82 anos, na mesma cidade que, durante grande parte da sua vida, acolheu como sua: o Porto. Não vou fazer um apanhado biográfico, nem irei certamente dissertar sobre a quantidade e qualidade da obra que nos deixou. Deixo, apenas, a minha mais profunda homenagem e, também, dois dos seus poemas. Lindos, como tantos outros.

"Desde o chão
A pele porosa do silêncio
agora que a noite sangra nos pulsos
traz-me o teu rumor de chuva branca.
O Verão anda por aí, o cheiro
violento da beladona cega a terra.
Cega também, a boca procura
trabalhos de amor. Encontra apenas
o nó de sombra das palavras.
Palavras... Onde um só grito
bastaria, há a gordura
das palavras. Palavras
quando apetecem claridades súbitas,
o sumo estreme, a ponta extremada teu corpo, arco, flecha,
corola de água aberta
ao fogo a prumo do meu corpo.
Do chão ao cume das colinas,
eis as areias. Cala-te.
Deita-te. Debaixo dos meus flancos.
A terra toda em cima. Agora arde.
Agora."


"É março ou abril?
É um dia de sol
perto do mar,
é um dia
em que todo o meu sangue
é orvalho e carícia.
De que cor te vestiste?
De madrugada ou limão?
Que nuvens olhas, ou colinas
altas,
enquanto afastas o rosto
das palavras que escrevo
de pé, exigindo
o teu amor?
É um dia de maio?
É um dia em que tropeço
no ar
à procura do azul dos teus olhos,
em que a tua voz,
dentro de mim, pergunta,
insiste:
Se te fué la melancolia,
amigo mio del alma?
É junho? É setembro?
É um dia
em que estou carregado de ti
ou de frutos,
e tropeço na luz, como um cego,
a procurar-te."


Eugénio de Andrade

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Sunday, June 12, 2005
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"Viajante de incontáveis borboletas azuis"

No início, eu desaperto uma válvula. Nos quartos inundados, espero o fluxo louco do azul, dos astros e das galáxias que vivem dentro de mim, da minha loucura.
Mas o que sucede é que nada sai de mim. Nada. Então a válvula que desapertei rumo à magia torna-se um porto de entrada, um porto de entrada da tua magia.
E sim, eu sei que também tu brincas com astros e coisas azuis.
E dentro de mim preparo os espaços onde as tuas coisas azuis irão correr loucas, semeando rebeliões na minha circulação, saqueando os recantos mais cépticos do meu corpo.

Mas não me dás coisas azuis.
Dás-me as nuances tua pele branca.
E isso sufoca-me.
Dás-me o movimento de lâmina dos teus quadris.
E isso é um murro duro no meu peito.
Um murro que me obriga a respirar mais.
Dilatas o meu diafragma
E eu sou assaltado pelo teu cheiro,
Pelas tuas palavras,
Pela curvatura ágil da tua pélvis.

A cada movimento rebento com outra válvula,
Porque agora sou eu quero morrer disto.

Amas-me com o corpo afogado e o olhar em chamas.
Chamas-me. Para onde? Não sei.
E vou.
Para mais longe.

O teu olhar puxa-me,
E eu procuro na loucura a decifração da beleza.
Procuro decifrar a beleza neste puzzle de uma cama desfeita,
De um quarto sitiado por labaredas,
De roupas espalhadas numa lógica de desejo,
Neste movimento de dois corpos.
O meu e o teu.

Chamas-me. Os teus olhos abrem-se para mim. Mais.
Procuro pontos azuis e rastos de galáxias,
E uno uns pontos aos outros,
Velozmente,
Cadenciado na vertigem da luz.

E tu chamas-me. Mais.
Puxas-me para dentro de ti.
Olhas-me.
E eu, eu tenho que decifrar isto tudo,
Tenho que decifrar a decomposição e a reconstrução das cores
Enquanto todo o teu mundo se abre e eu sou sugado para dentro de ti.

Sou um viajante de campos de ouro. Sou um viajante cego. Sou um viajante lúcido. Sou um viajante perceptivo. Sou um viajante de incontáveis borboletas azuis.

E caímos. E regresso a mim. E regressas a ti.

Decifrei a Beleza.
Mas é imensa.
Não a contenho.
Fui contido por ela.
E guardo imagens.
Que escrevo quando em mim se solta
A loucura das coisas azuis.

Não posso definir a beleza. Não posso.
É maior do que tudo.
É azul. E mil cores.
É vento. E mil tempestades.
É água. E mil líquidos.
É fogo. E mil labaredas.
É terra. E mil vôos.
É estar vivo e consciente no centro de uma fissão atómica.

É azul.
E é maior do que tudo.

Como se as mãos de Deus acordassem num milagre de borboletas azuis.

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Saturday, June 11, 2005
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"Sobre as espécies"

Há homens que não conseguem olhar para o horizonte.
Há homens que têm medo.
Há homens que tropeçam por becos, se apaixonam por vãos de escada,
Casam, procriam e morrem.

Há homens que olham o horizonte de frente.
Mas logo se escondem na benevolência de um espelho e tropeçam numa mulher, e casam e procriam e morrem.

Há homens que não sabem nada disto. Então vão de dia em dia, de copo em copo, e tropeçam, e fodem, e não sabem se procriam,
E morrem.

Há homens que têm tanto medo que nunca saem de casa. Nunca . Criam uma mitologia de uso doméstico. Espalham-na pelas paredes
Em grandes gestos teatrais. Parecm donos de uma loucura imensa, Não são. Não têm nada. Então casam, procriam e morrem. A loucura, essa, fica esquecida.
Esconjurada e cai quando também as paredes da casa caírem.

Há homens que têm tanto medo que nunca estão em casa. Não têm casa. Vivem nas casa dos outros. Chamar-lhes-ia nómadas, mas não,
Vivem nas casas até que o horizonte os ronde. Então fogem para uma casa sem firmamento.
Talvez procriem. Talvez fodam. Se calhar, até casam, mas não contam. Morrem e ficam nos escombrosda última casa.

Há homens também que, no início, olham o horizonte.
E passam anos em que caminham com a íris fixa no firmamento. Depois, depois acham que mas uns anos e ficarão loucos. E ninguém os quererá. Fala-lhes a solidão e a idade.
E metem-se numa casa, onde anos a fio falam da sua heróica caminhada pelo fiirmamento. Ninguém os atura. Não existe nada mais desgastante
Do que alguém vangloriar-se de algo que, em última instância, é uma derrota.
Ninguém os atura. Nem a procriadora nem os procriados. ninguém. E morrem. Ironicamente, de solidão e de idade.

Há homens que olham para o horizonte. Estão no meio da sua idade. E têm medo. E por vezes escondem-se em casas alheias. E dormem em camas usadas.

Mas dormem mal. E acordam. E regressam à rua.
E caminham para o firmamento.
E têm medo.

E embriagam-se de álcool. E embriagam-se de formas menores de loucura. E tombam nos passeios e acordam em camas estranhas, em braços que não conhecem. E dormiram mal. E levantam-se. E regressam à rua.

Caminham para o horizonte. E vomitam. Vomitam medos e vomitam venenos. E suam. Suam dependências e histórias antigas.
Sabem a idade. Ouvem que vão ficar loucos. Como se a loucura não crescesse já por dentro deles. Uma loucura de coisas azuis, uma loucura de astros e de flores, uma loucura do firmamento trazido às mãos humanas.


Um dia sentem a mão de uma Mulher. Olha-na. Deixam os seus dedos cairem pelos cabelos dela.. Reconhecem-lhe a voz e o sorriso. Fazem amor com ela. E, no quarto ou na rua, enquanto se amam, sentem a proximidade entusiasmante do firmamento.

Mas um dia essa mulher desaparece. Está perto. Mas não a encontram. Enviam-lhe sinais. Não conseguem descodificar os sinais de volta. E, uma vez mais, recorrem à sua loucura de astros e de palavras azuis.
Não a vêm. E não vêm o firmamento.

Abandonam a estrada e vão, pelo mundo inteiro à procura dela. Já não é o firmamento, é essa mulher que procuram. E uma e outra coisa são a mesma.

Escrevem pássaros no caminho.
Colam astros nas noites.
Desenham galáxias no amplo espaço do mundo.
Brotam flores líquidas da frescura do seu sorriso.
Decantam loucuras nas noites humaas,
Celebram relampâgos de amor nas cidades que dormem.

E numa noite,
que poderá ser esta ou outra qualquer,
Encontra-na,
Feita de água e de sonhos e de séculos e de amor.

E o firmamento é isto. O amor. E esta mulher.

Há homens que olham o horizonte de frente.
E estes homens já não têm medo.
Têm a missão do Destino.
E mãos para o construirem.


Para ti, que estás no firmamento

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Friday, June 10, 2005
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"Omertá Cromática"

Uma cascata azul pode ser a imagem do silêncio.
Uma árvore, de noite, onde mil camélias brancas se penduram,
Pode também ser a imagem do silêncio.
Um lago seco, vísivel de pedras e de passado pode, ainda mais naturalmente,
Ser a imagem do silêncio.
Tenho que permanecer, eu, com a minha caneta e o meu papel,
Neste quase silêncio de escrever mitologias, loucuras, relâmpagos de amor.

Mas sempre neste quase silêncio. Ainda que puxe estrelas dos céus para os meus dedos,
Ainda que sugue galáxias para os bancos ao meu lado,
Ainda que seduza luas a despenharem-se na relva perante mim,
Ainda assim, terá que ser sempre neste quase silêncio.

Ainda que inflame cores na noite humana,
Ainda que semeie vícios de beleza nas horas dos dormentes,
Ainda que saqueie a vulgaridade,
Ainda que pilhe a estreiteza dos espíritos,
E, por toda a parte, faça rebentar rastilhos de beleza,
Tenho que o fazer neste quase silêncio.

Por causa da cascata azul.
Por causa da árvore que amamenta as camélias.
Por causa do lago seco, de pedras e passado.
E por causa das flores submersas.
E por causa dos inumeráveis líquidos.
E por causa da noite e das luas que me observam.

Porque entre tudo isto há uma celebração nocturna.
Um ritual sagrado. Num quase silêncio.

Eu trago as minhas luas, as minhas cores, as minhas estrelas,
As minhas galáxias, as minhas mitologias, as minhas loucuras
E os relâmpagos do meu amor.

E ficamos aqui. Numa celebração funda. E ágil.

Numa omertá cromática.

E o mundo não sabe. Ninguém no mundo sabe.

Só tu. Em quem eu penso enquanto escrevo tudo isto.

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Thursday, June 09, 2005
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"Exploração do espaço"

E começo assim: expludo.

Sinto o meu coração bater contra a profundidade das horas. É um bater seco. Pesado. Sedento.
Eu abro a minha imaginação e mergulho o meu coração em cascatas de degelo.
Ele conhece o degelo. Ele conhece o leve movimento de onde irrompe a vida.

Ausculto o meu espírito. Engrandece-se ma provação. No silêncio denso.
E eu parto uma válvula da minha inteligência e dou-lhe sons de aurora. Para que nunca, jamais, se vicie na provação.

Quanto morreram nas horas fundas?
Quantos sucumbiram às provocações até nada entenderem da ligeireza e da regeneração do mundo?
Quanto partiram num fatah que lhes desse sentido e nada mais viveram um hara-kiri que nunca entenderam?

Eu dou a volta ao meu sorriso. às vezes, surpreendo tenso. Grave. Sério.
Então eu arrebento com o baú das memórias e mergulho-o no teu sorriso. E ele sorri.

Eu ouço o som das palavras que digo. e também elas são sérias, graves, imbuídas da mais alta missão.

Mas a minha inteligência é acutilante, poderosa.
A mais alta missão não é morrer. É criar.
A mais alta missão é dizer estrelas, e sorrir cometas e ter galáxias no espírito e astros a bater no coração, É tudo isto. É um movmento afirmativo de um milagre.

A noite, a noite é feita de grandes miagens.
E de grandes silêncios.
Mas quem te ensinou a gravidade no que é grande?
Quem te fez esquecer a leveza dos grandes espaços?
Eu pressinto anoite total, solar, lunar,
Noite de estrelas e de galáxias.
Noite de sonhos. E é ampla e é imensa.

Mas se tiveres ensurdecido no que te ensinaram, então é silenciosa.

Tens que dinamitar a tua inteligência, pois é a tua inteligência
Que te ensinará os percursos da noite total,
Da noite feliz.
É a tua inteligência que te trará os astros,
E as galáxias, e os astros e as galáxias são pessoas,
Carregadas de luz.

Julgas que vives para a astronomia?
Pensa. A tua inteligência mostrar-te-à que vives muito
Mais para a anatomia.
Pensa. Não te detenhas ainda. Usa a tua inteligência e compreende
Que amor e anatomia são uma e a mesma coisa.

E argumentas com a perfeição? Amor perfeito é uma flor. Vais amar uma flor?
Para lá de tudo, o grande amr da tua vida
Será uma flor? Ou uma pessoa?

Quem te falou em amor perfeito?
Quem te falou em amor e depois deu-te, bem delimitado, o perfeito?

A tua inteligência esmaga isso. A tua inteligência esmaga o perfeito que te deram.
Entrelaça-se no teu amor e crias um novo Perfeito.
E voltas aos astros, às galáxias azuis, às fontes de água, às flores submersas.
Voltas onde quiseres. Levas o teu amor para onde quiseres.

Subverte os conceitos sempre que o fizeres em nome da beleza.
Não existe, no mundo inteiro, nada mais importante do que a beleza.
Subverte os conceitos, capta a essência.
E a Beleza estará em cada um dos teus dias
E em cada uma das tuas noites.

Não existe nada mais.
Só a Beleza.

E a minha inteligência, ao longo das semanas, dos meses e dos anos,
Nada mais faz do que desatar os nós humanos que escondem a Beleza.

Sabendo que a Beleza está na Luz e na Anatomia.

E em tudo o mais.
tudo o resto,
Que os astros, as galáxias, as luas, os cometas,
E os dias e os anos,
Principalmente os dias e os anos,
Me dirão.

Nesse dia não será só Luz.
Nesse dia decifrarei o teu olhar.

E saberei a Beleza.

Para a Joana.

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Wednesday, June 08, 2005
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"Gradação de magias quotidianas"

Começo a rondar as palavras.
Ou serão elas que me rondam a mim?
Não, aqui não se trata de uma questão de perspectiva.
Trata-se de acuidade para com o movimento do mundo.

Por falar em Mundo, estou de frente para ele.
Suponho que se possa chamar Mundo a uma vastidão equilibrada de árvores e ao desespero silencioso de um lago sem água.

É o mundo que tenho, concreto, perante mim.
Claro que, dentro de mim, também tenho o mundo, outro mundo, perante mim.

Poderia defini-lo em três ou quatro coisas essenciais, palpáveis. Mas sinto que o que definiria seria, precisamente, o que não consigo nomear.

É um trabalho estéril, ouço alguém dizer.

Contraponho que não, não é.

Vou explicar que falo em metáforas, que utilizo alegorias e que, assim, o meu mundo se define aqui, no papel, em palavras.

Mas não explico.
Só as crianças entenderiam. Mas as crianças estão em casa. Protegidas do frio e do calor e da noite, dizem-lhes. Protegidas das metáforas, sussurro eu.

Afasto a voz que questiona a validade do meu trabalho. Não é trabalho.
É antes uma espécie de anti-suicídio estruturado. Compreende? Pensa que estou louco.
E se calhar estou. E vai embora.

Fico, assim, sozinho. Defronte para a minha solidão, para as grandes imagens. Olho em volta. Quero o silêncio.
Quero minar o dique onde, nos dias, sustenho o avança impaciente da minha imensa loucura.

Não! Não o quero minar! Quero rebentá-lo com violência, com murros, com beijos e com sofreguidão!

Disse-te muitas vezes que nunca tinhas conhecido ninguém como eu. É verdade. Não posso retirar uma vírgula a essa frase. (em bom português, a frase nem vírgulas tem...). Mas é verdade.

Mas esqueci-me de reflectir que isso nem sempre seria uma coisa boa.

Há um erro frequente em quem persegue o absoluto: esquece-se que existem absolutos diferentes. Pois é.

Eu vivia nessa oposição entre mim e uma enorme massa de mundo, e compreendia que era diferente. Nunca conheceste ninguém como eu. Nessa massa disforme, todos, num ceto grau, são iguais a todos.

Mas não existo só eu e a massa disforme. Pois.
Existem mais pessoa que não são como mais ninguém. Muitas mais. Tu.
Eu deveria ter visto. E vi.

Por isso, agora não durmo bem.

Está a fazer-se tarde. Está sempre a fazer-se tarde para quem celebra a loucura e o amor.
Vigiam-nos de todos os lados. Detêm-se junto a nós, procurando decifrar um brilho quase azul no olhar.
Se o conseguissem, seríamos presos. Reeducados nas virtudes dos lagos sem água, e no equilíbrio das árvores citadinas. E coisas piores ainda: o comércio e a morte.
Coisas terríficas. Um monte de mentiras de que nos tentariam convencer.

Vigiam-nos. Mas não são crianças, felizmente. As crianças estão em casa e, na sua loucura, vestem todas as metáforas e alegorias que o meu espírito cria.

Eu falo num cometa que se despenhou num banco do jardim. Explodiu. O chão ficou repleto de tulipas, de jasmins e de rosas. Nasceram tílias nas árvores. A esta hora improvável.
Eles não percebem nada. Acham que devem ligar para a televisão.

Ou, se eu lhes contar, prendem-me e dizem-me que é para o meu bem.

Mas, nas casas, as crianças fazem sonhos com estas flores. E trepam às árvores.

Sabem que perigoso é vulgarizar a Beleza e a Magia.


Se eu digo que o sol se cansou e resolveu pousar no lago sem água,
Também não acreditam. Se acreditassem fugiam. Mas antes prendiam-me. Sempre para o meu bem.
As crianças, nas casas, têm a suprema felicidade de não saberem o que é hélio. Sol é Sol. E abraçam-no no chão e nas paredes e nos sonhos.
Eu sei estas coisas, percebes? Mas como o registo diz que sou um adulto, posso ser preso. Felizmente, dizem, será para o meu próprio bem.

Escrevo isto: "Amo-te". E já stou a ser vigiado.
Amas como? Com que intensidade? Queres casar? Ter filhos? Foder?
Dá-me para a ironia e respondo que as duas últimas costumam vir juntas.
Mas não têm sentido de humor. No fundo temem o riso. Sempre temeram o riso. Quem não é livre teme o riso.
E insistem. Podemos prendê-lo, para o seu próprio bem. Se provar que não é louco. não o faremos.

Vou ser preso. Está visto. Mas dizem que é para o meu próprio bem

"Amo-te".
Outra vez? Como?
Como nada! Raios partam estas perguntas!
Raios partam o mundo a pôr medidas nas coisas, a pôr medidas nas pessoas, a tremer sempre que alguém não se encaixa nas medidas. Prisões que fazem bem... Fazem o quê? Comprmem o indíviduo até dimensões aceitáveis, é?
E se eu achar que o mundo é maior? E que, portanto, a minha medida é maior? E sentir uma repulsa orgânica ao colocar um adjectivo burguês depois de "Amo-te"? "Amo-te" é uma palavra absoluta, ou não?

Quem ama um bom bocado tem o ama a mais, não será?

Bem, eles agora apertam o cerco, claro.
Mas eu tenho magias. Estes, meu amor, estes nunca conheceram ninguém como eu.

Desaperto uma orelha e o espaço estremece ante o galopar selvagem das minhas galáxias azuis.
Desapareço no meio da confusão. Não serei preso. Ainda que fosse para meu próprio bem.
Vou para junto das crianças. Arrumam o cometa, o sol e as galáxias. Com cuidado. Colocam tudo dentro de mim.
Apertam-me a orelha.

É tarde, digo. Tenho que ir.
Levam-me até à janela. Sabem que os mágicos podem voar.

Vejo tudo turvo e então,
No centro da minha testa colocam o "Amo-te",
O meu amor por ti.
E então vejo tudo límpido, puro e transparente.

Subo ao parapeito e começo a voar.

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Tuesday, June 07, 2005
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"Perspectiva de estar em Contramão"

Amo as minhas palavras. Amá-las-ei sempre. Transportam a minha verdade, através do tempo, através dos dias que, um após o outro, acabam. Através de dias iguais.

As minhas palavras nascem em campos de fogo. As minhas palavras nascem em searas loucas. As minhas palavras são brutas, porque às vezes as alimento com pedras. As minhas palavras são doces, porque às vezes as sacio com sementes de mar.

As minhas palavras voam. As minhas palavras voam muito.

Nascem em locais que mal conheço, em locais onde ainda se celebra a loucura e o amor, e o destino da criação.

E voam nos dias iguais. E os dias iguais são homicidas de palavras. Sempre foram. Mas as minhas palavras são ágeis. E contornam os dias iguais. E são violentas. E rebentam, por dentro, os dias iguais. E são doces. E trazem astros para os dias iguais. E mudam, assim, os dias iguais.


Eu amo as minhas palavras. Amá-las-ei sempre. São Fogo. São Água. Terra e Ar.

São, a cada segundo, a explicação da minha vida. São, a cada momento, a justificação da minha vida. Explicam-me e Justificam-me.

Os dias caminham sempre para o fim. Todos os dias. A minha existência humana, a cada segundo, aproxima-se da morte. Como todas as existências humanas. Mas as palavras, as palavras viajam no sentido inverso. Do Nada para o Sempre.

Digo-lhes que viajam em contramão. E elas sorriem, da noite e da escuridão, e mostram-me que é a vida que viaja no sentido errado. Do princípio para o fim. Porque as palavras, essas, fluem sempre do fim para o princípio.


Por isso são loucas. Por isso as amo. Por isso as amarei sempre. Todos os dias. Não há nada nos dias que possa matar este amor.

Eu amo assim. Amo assim as palavras. Amo-te a ti assim. Só sei amar assim.

E viajo em contramão.
Mas no grande silêncio da noite sei sempre que o sentido é uma questão de perspectiva.
E eu não acredito em perspectivas.

Persigo coisas absolutas.

Sempre.
Todos os dias.

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"Ágil e Transparente"

Começa a noite com o teu cântico.
Ouço o movimento fundamental do Mundo.
Por instantes, o mergulho na essência dos astros
Está suspenso da tua voz,
desse cântico com que me abres
O Mundo Violeta desta noite.

Eu poderia datar esta noite.
Puxá-la com força de realidade para um calendário,
Dar-lhe um nome.
Uma localização específica na gigantesca cartografia
De todas as noites do Mundo.

Mas esta noite é uma noite em que a tua voz gera um movimento centrífugo.

E já tudo se revolve no interior desta noite.

A noite esmaga uma válvula de segurança.
Quer dar-me palavras. Eu sei que são astros.
Quer que eu delire com astros.
Por isso esmaga a válvula e aponta a explosão
Para dentro da minha cabeça,
Para os meus pensamentos.

Devio-me. furto-me a delirar. Pelo menos por agora.
E dou passos enormes, gigantes, e caminho agora
Na noite densa, sóbria.

Cheiro claramente o que nela é destino. Pressinto o movimento
das coisas e do mundo. Ouço, de dentro da terra, o ruído de rodas dentadas.

As vidas serão diferentes amanhã.

Há sempre uma roda que gira quando os corpos dormem.
E, para lá dos sinais quotidianos, todas as coisas,
Noite após noite, se vão alterando.
Dando coisas novas às vidas.

Estou suspenso no teu cântico.
Estás perto.
Vejo flutuações lilazes no firmamento.
Sinto-te.
Caminho até ao firmamento.
E, de súbito, recordo-me
que sempre andei às curvas na vida e na noite.

Como é difícil andar a direito.
Fecho os olhos. Não estou só.
Abro os olhos. Com passos seguros
Abordo as linhas que antecdem o horizonte.
Conheço estas cores.
E não me lembro de as ter visto.
Mas conheço-as.
Sigo o teu cântico.

Estou mais perto das ondas lilazes do firmamento.

Eu criei estas cores.
Mas não me recordo quando.
Eu criei muitas coisas.
E nunca o percebi.

Eu criei coisas. Muitas coisas.
E de dia, juro que não crio nada.
E de noite, juro que queria criar.

Anda comigo. Eu conheço este lado da noite.
Eu sei que tu também conheces.
Estivemos aqui, muitas vezes. Estivemos aqui há bem pouco tempo.
Eu não sabia onde estava. Não sabia que isto existia.

Tu disseste-me. Eu sei. Muitas vezes.
Não ouvi. Estava surdo.
Agora não estou. Agora sei onde estou.
Sei onde tantas vezes estive.

Vou sentar-me um pouco. Sentas-te comigo?
De onde vem esta ternura, sabes responder?
Eu acho que sei.
É disto, não é?
Das cores e do firmamento
E do poder criador sobre coisas como luas, sóis, estrelas, cometas,
Galáxias e asteróides.

Esta noite podíamos brincar com os astros. Queres?
Qualquer brincadeira. Deixar a noite ser leve,
Ágil, dionisíaca.

É daí que vem a ternura, não é? Eu acho que é.

Vês as luas que se despenham?
Os sóis que caem?
As galáxias que colapsam?
As estrelas que colidem?
Os cometas que implodem?
Vês? Lá ao longe?

É uma floresta frondosa, com gnomos, duendes
E druidas.
Celebram a noite. Vês as auras? Vês as luzes? Vês as cores?

Também são nossas. Basta querer brincar.
Celebrar.
Basta ter o coração vibrante de ousadia e o espírito pleno de pureza.

Vem! (e no entanto és tu que me puxas... tens lábios de gnomo e alma de duende...)

Hoje celebramos a noite. Em aragens mágicas.
Em brisas cheias de risos leves. Em águas límpidas.
Em astros que são crianças.
Também nós somos crianças.

E a noite celebra tudo o que é puro.
Tudo o que é ágil e transparente.

Para quem, sem que eu então o soubesse, me ensinou isto. Num dia Sete.

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Monday, June 06, 2005
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"Três mortes e morte nenhuma"

Ouvi dizer que se pode morrer no meio do caminho.

Eu já morri muitas vezes. Mas nunca foi no meio do caminho. Foi sempre, sempre no fim.

Morri de excessos. De excesso de flores, de excesso de água, de excesso da tua pele e dos teus cabelos.

Morri com overdoses dos teus lábios e da tua saliva.

Desrespeitava as posologias indicadas
E bebia o teu amor com a sede e fome
Do coração aberto.

Às vezes caio com sede.
E com fome de flores também.
Mas não morro. Disto não morro.

Acordo com astros flamejantes,
Cometas que desde os teus lábios seguram uma chama imensa,
Cometas que me rondam na noite
Quando acordo.

Sobrevoam o quarto, deslizam pelas paredes,
Entram-me dentro da cabeça, colidem com os
Meus pensamentos.
Procuram-te. Procuram a gasolina dentro de mim.
Encontram-te.
E então expludo em palavras e sons e tintas nos papéis,
E pego fogo, incendeio-me, e escrevo estrelas nas labaredas.

E morro.

Por vezes começo a sangrar. Sangro abundantemente das palavras.
E sei, então, que vou morrer outra vez.

As palavras caem-me dos teus olhos,
Vejo-as escorrerem dos teus cabelos
Para os meus dedos.
Vejo-as, como duendes e gnomos,
Saltarem dos teus lábios, dos teus braços
E dos teus gestos
Para as minhas mãos.

Esvaio-me em sangue. Letras e mais letras. Palavras e mais palavras.
Imagens. Sempre imagens.

Aperto o pensamento. Recorro aos medos e procuro um torniquete mental .


Para suster a hemorragia.

Afasto-me das palavras como se pudesse, nalgum lugar do mundo, encontrar a concentração plaquetária ideal.

Mas eu sei que quero esta morte.

As palavras vêm comigo. Elas vêm de ti.
E agora, agora tenho estrelas a explodirem dentro de mim.

Tenho galáxias que me pressionam, de uma forma atroz,
As têmporas,
Até a minha cabeça parir uma flor que que seja a ternura e a violência de um beijo teu.

Então, as galáxias desfazem-se num bálsamo
Que me inunda o espírito.
E tudo isto é sangue.
E tudo isto é água.
E em tudo isto me esvaio.

E morro.

Eu suponho que se possa morrer com fome,
De flores, ou até mesmo de estrelas.
Eu suponho que se possa morrer com sede
De água, sangue, ou até mesmo de saliva.

Eu suponho que quando se morre assim,
Se morre mesmo.
E, continuando vivo, então já não
Se morra mais. Nunca mais.

Mas eu não morro assim.
Eu morro de excessos.
Morro de palavras e as palavras
Trazem à minha morte tudo o que é
Excessivo em mim.

E então morro excessivamente.
Uma, outra e outra vez.

Porque é que tu estás sempre no último momento das minhas mortes e no primeiro segundo de cada uma das minhas ressurreições?

E tudo recomeça com uma pergunta. Uma pergunta fundamental.

As palavras são os valores da minha tensão arterial a dispararem. Sinto as veias contraídas. O sangue a pressionar-me as artérias.

Vasculho no sangue. Como um suicida encantado com o processo da sua morte.
Vasculho e só encontro palavras. Umas após as outras.

Lábios. Olhar. Cheiro. Pele. Branca. Quente. Molhada.
Recolho palavras assim. Avulsas.

E sinto que, numa transfusão que não vejo, elas pulsam de dentro de ti para dentro de mim.
O teu olhar quando desapareces e submerges, agarrada com a vida toda no meu olhar.
As tuas lágrimas. A tua pele toda molhada.

São trombos que me bloqueiam a circulação.

Lembro-me. Lembro-me que existem uns comprimidos que se põem debaixo da língua.

Já estou cego. Só vejo luzes e colisões de estrelas.

Tacteio. O comprimido. Nada.
Fecho os olhos. Vejo o sal que explode nas tuas ondas.
Agarro. Mais a espuma.
Coloco tudo debaixo da minha língua.

Mas é a tua saliva que está dentro da minha boca.
E a minha tensão dispara.

E saem beijos teus dos meus olhos, das minhas orelhas, da minha testa, das minhas mãos. Mas os teus beijos, comprimo-os em palavras.
Sempre palavras.

Estou na iminência de um ataque vascular.
E só vejo palavras e imagens dentro de mim.
Pele, Língua, Boca, Beijo, Sorriso, Lágrima, Saliva.

Palavras que batem com a violência do amor, da paixão e do desejo, contra as paredes das minhas artérias.

E as minhas artérias cedem.

Resisto. Viro-me. E sinto como se te tivesse virado a ti.

Então uma lua entra-me pela janela dentro.
E eu seguro o teu corpo contra mim.

Seguro o teu corpo molhado contra mim,
E no quarto despenham-se sóis, estrelas, galáxias e cometas.

O quarto, agora, é uma noite branca.
Com luas, sóis, estrelas, galáxias e cometas a colidirem contra nós.

Somos o centro gravitacional do universo.
O exercício extremo da beleza.
Por isso os astros colidem contra nós
E beijam-nos, e batem-nos, e arranham-nos, e queimam-nos
E acariciam-nos e amam-nos.

São sugados pela beleza extrema,
Cortante.

Vou morrer agora.
Mas quero perguntar-te:
Amanhã existirão flores?
Pássaros leves?
Águas ágeis?
Duendes criadores?
Mãos esguias e criativas?

Morro para estar aqui.

E quando as palavras começarem a destilar
O álcool da tua essência
Estarei outra vez embriagado de ti.

Amanhã vou beber palavras, sons e todas as
Coisas imprecisas.
E vou morrer outra vez.

Porque morrer é uma forma de viver
Toda a vida que és dentro de mim.

E renascer. E sim, meu amor, renascer é uma figura de estilo.

Morro muitas vezes no excesso de ti.
Muitas.

E não, não morro
Nunca.


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Sunday, June 05, 2005
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"Porque. Pois."

Sabes porquê?
Porque o mar leva as minhas mãos por dentro da rebentação das ondas. E é o próprio movimento das marés que sustém as minhas mãos. E são as minhas mãos que seguram as edificações na areia.
E as tuas mãos? Não? Não queres responder? Está bem.

Sabes que o mar nunca me pergunta porque sustenho edificações na areia sozinho?
Sabes porquê? Porque o mar é sábio.

Eu amo o mar, sabes? Amo mesmo. Não tanto como te amo a ti. Aliás, é por te amar que agora escrevo o mar. Mas amo o mar, ainda assim. Muito. A ti, mais.

Sabes porquê?
Porque o vento não derruba o nosso castelo de cartas. Às vezes, quando sopra forte, carrega as minhas mãos para onde as cartas tremem. Seguro-as. Pois é.

E sinto mais mãos. Eu só tenho duas. São tuas, as outras?
Eu podia responder, mas antes tenho que te perguntar uma coisa: podemos mudar de mãos?

Não é eu ficar com as tuas e tu ficares com as minhas. Isso eu sei que podemos. Tu ensinaste-me isso.

Quero saber se podemos ter mãos novas.
Não,não quero trocar as minhas. Quero saber se poderias ter trocado as tuas. Não, já sei que não.

Sabes porquê?
Porque gostas de mãos. E gostas das tuas mãos. Eu também gosto. Das tuas. E das minhas também.

Já trocamos de mãos? Estas minhas já foram tuas e essas tuas já foram minhas? Ou não?
Não sei.

Sabes porquê?
Porque são minhas. Então podem ter sido tuas. Se tivessem sido de outra pessoa, senti-las-ia emprestadas, não minhas. Assim, são minhas. Tuas. Como minhas as tuas.

Quero escrever-te uma coisa diferente. Não sabes o que é pois, não?
Não?
Não?
Não?
Não mesmo?
Mesmo mesmo?
De certeza?

Quantas vezes te perguntei? Não contes. Eu digo-te. Aliás, tu sabes antes mesmo de eu te dizer. Sete.

Queria escrever-te isto.Sabes porquê?
Páro com os símbolos. Porque te conheci num dia Sete.
Queria dizer-te isto.

Mas quero escrever-te outra coisa diferente. Não sabes o que é, pois não?Amo o teu sorriso. Não... Não... Tu sabes... Esse! É esse! Também amo os outros, não me interpretes mal, mas esse é estar em casa, no lar, no sol e na lua. Esse mesmo, meu amor!

Vais não sorrir? Vais parar com o teu sorriso, agora? Porquê? Não vais, pois não? Não pares, por favor. Não.

Outra coisa... Podes pôr os óculos? Não os de sol, os outros. Ficas Linda e faz-me lembrar a manhã... Não, não é que goste especialmente de óculos. Mas gosto especialmente de ti. E de óculos em ti também gosto. Muito. Não podes pôr? Não estão contigo? Pões quando for manhã? Não sabes? Pelo menos pensas nisso?

Quero perguntar-te outra coisa, pode ser?Pintaste as unhas com aqueles sete pontos? Amor, posso-te pedir, por favor, para não responderes? Não respondas, está bem?

Anda para a minha beira. Por favor. Tenho frio. E tenho saudades tuas. Muitas.Vens? Não?

Sorri, por favor. Sorri... Isso, isso mesmo! Amo-te tanto! Era capaz de mergulhar nesse sorriso e nunca mais aparecer em lado algum!"Desapareceu no sorriso mais lindo que já viu. Conseguiu mergulhar no seu interior. Não é crível que volte. De vez em quando envia mensagens, faúlhas, com a seguinte mensagem: Parem de procurar o Ricardo. Não está desaparecido. Está em casa. No lar."

Vão a minha casa e não me vêem. Explicas-lhes a poesia? Explicas tu o que é a dimensão poética da existência?
Eu não posso, meu amor. Estou a dar beijinhos no teu sorriso.Fazes isso, fazes?

Lar. Ouviram a palavra lar. "O senhor escreveu, e citamo-lo, «odeio as coisas do lar»".
Amor, por favor responde tu, eu estou a namorar o teu sorriso. Respondes?

Diz que eu era inadptado e gostava tanto de não ser nas achava que não gostava... Oh! Não expliques nada disso. Faz outra coisa. Sorri. Compreenderão, por certo.

Viste? Foram embora.Ficamos só nós os dois...

Vens para a minha beira? Não? E podes antes dizer que não sabes? Que ainda não sabes? O ainda é importante. E não podes mesmo dizer que vens? Não? Hmm...?

Pensas nisso? Não ? Podes dizer talvez? Podes dizer que pensas?

Olha, posso mesmo mergulhar no teu sorriso? Não? Não sabes?Posso perguntar antes ao teu sorriso?
Não? És sábia.

Olha, vou ser insistente. Posso perguntar ao teu sorriso? Não sabes? Porquê? Não queres responder? Está bem.

Olha, onde vais? Para casa? Tão cedo?
E eu? Sim, claro, eu arranjo-me, claro.
E olha, voltas amanhã?
Não sabes?
Podes dizer que sim, que voltas?
Está bem, não respondas. Vai para casa descansar.Volta amanhã, sim? Estou a ser insistente? Pois. Eu sei. Desculpa.

Olha, espera aí, não vás já.
Toma, não te esqueças do teu sorriso.E depois, sorrias como?
Era, era... Tu sorris sempre. É Lindo o teu sorriso. Já te disse isto mil vezes. Quer dizer que ainda tenho muitos anos e muitos dias para to dizer milhões de vezes e mais infinito, não é?
Pois é, é.

Pronto, vai lá... Olha, espera, só uma coisa.
Sorri. Uma vez... Isso...És Linda.
Amo-te. O quê? Mesmo. E muito.

Sabes porquê?
Porque tenho bocadinhos de ti nos meus dias, nas minhas semanas, nos meus meses, nos meus anos. Em todos.

Até amanhã, meu amor. Até amanhã.

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