Locais...
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Correspondência Interna
Saturday, July 30, 2005
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"Night Line - do asfalto"

Vi uma pedra, dessas que dormem nas rua. Identifico-me com as pedras. Por esse elemento imperturbável, de consistência, de destino, que podemos ver quando o chão húmido da madrugada poucas pistas dá sobre a noite que passa ou, até, se algum dia chega.

Eu não sei se uma manhã desponta. E há coisas que não entendo na noite que passa. Às vezes sinto que podia estar deitado no asfalto e eu passar por mim e sentir a necessidade de escrever esse laço invisível entre o asfalto e a noite, entre a pedra e eu.

Não me perturbo. Já não me perturbo. Há coisas que já não lembro. Há coisas que esquecerei. Há coisas que ficarão. Há coisas que surgirão. E eu estarei no meio delas.

Ou no asfalto enquanto não as entender e entender que nada mais me resta senão fechar-me no silêncio e compreender as noites que caem debaixo de todos os astros.

Mesmo que não compreenda nada. E simplesmente volte a passar por mim. E me leve para casa. Para o meio de uma vida.

Para o meio de uma vida onde se escrevem sobre coisas como pedras. Para o meio de uma vida onde pedras são símbolos de tudo: de silêncio, de solidão, de amor. Para o meio de uma vida onde possa ser um símbolo, mais um dentro de mim.

E não a pedra que vi, fria, húmida e silenciosa, no passeio, agora mesmo, quando regressava a casa.

Sinto que uma parte de mim ficou ali, no asfalto.

E não tentei compreender nada.

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Friday, July 29, 2005
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“Massacre”

O massacre das tuas pernas abertas ao sol violento que irrompe no meu corpo. A estrutura branca que desenha movimentos de fêmea na tua pele. Os teus lábios, e a sede de gomos, de saliva e de sémen que neles se despe.

É infindável esta corrente. São inatingíveis todos os pontos. São impossíveis todas as chegadas.

Não existe paz para os que se debruçam nas coisas do amor. Não existe descanso para os que se deitam entre praias de estrelas afogadas e lagos de estrelas renascidas. Não existe um minuto de sobriedade para quem percorre os espaços com uma sede infindável de ti em todas as coisas.
Não existe pausa. Nunca. Jamais. Em momento algum.

Não existe forma mais pura de viver.

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A nu

Hoje vou falar de mim, a nu.

Tenho que começar por falar sobre o amor. Porque, para mim, o amor, a paixão, são tudo na vida. Tudo. E quando falo em amor, não falo apenas no amor que nos liga a uma mulher ou a um homem. Falo no amor pelas coisas, na paixão pelas coisas, na sofreguidão de viver, nessa sede insaciável com que se abordam os dias e as noites.

Eu sou assim. Com tudo o que isso implica, de bom e de mau. Não sei ser de outra forma. E não quero ser de outra forma. Creio que, chegado aos 30 anos, já sei bem o que quero e o que não quero. Não me irei normalizar. Nunca o quis durante a vida. E durante anos, achei que, mais cedo ou mais tarde, teria que o fazer. Não tenho. Sou eu. E eu tenho que ser como quero ser. Tenho que ser da forma que me fará mais feliz, mais próximo de mim próprio. Sempre.
Não contam os erros, porque erros todas as pessoas cometem. E eu sou uma pessoa que se penaliza sinceramente pelo mal que, por vezes, faz aos outros, sem qualquer intencionalidade. Se tivesse de falar do meu maior medo, provavelmente falaria da culpa. Da culpa que nos persegue quando ferimos quem amamos, quando ferimos coisas bonitas, quando ferimos sem motivo. E é quase sempre sem motivo. Só encontro um motivo que justifique o ferir outra pessoa. E esse motivo é o amor. Porque o amor é uma vastidão de coisas. Uma complexidade que se revela em coisas de uma extrema simplicidade. É por isso, por esta característica, que o amor é o eterno mistério que é. E eu, eu não quero desvendar o mistério. Nem o conseguiria. Mas não quero. Quero apenas vivê-lo. E encontrar-me, vezes sem conta, nesse espaço misterioso em que o complexo e o simples formam um laço indestrutível.

O que quero é, neste mundo, encontrar o equilíbrio entre o que o mundo exige de mim e aquilo que eu próprio exijo, mais de mim e dos que me são próximos, do que do mundo em si, enquanto qualquer coisa abstracta. E para encontrar esse equilíbrio, tenho que partir de mim. De quem sou. E sou esta pessoa apaixonada por tudo, esta pessoa capaz de devorar as horas e os dias e os segundos e todos os momentos, esta pessoa capaz de perceber que o amor está em toda a parte, com frequências diferentes, à espera de explodir dentro das almas que o percebem, que o apreendem, que o procuram em todos os momentos.
Sei isto. E isto que sei, demorei anos a perceber. E é, para mim, de um valor incalculável. Faz muito daquilo que eu sou. Portanto, aos 30 anos de idade, o que escrevo nesta noite é um misto de um retrato meu e, ao mesmo tempo, um manifesto.

Um manifesto de todas as coisas em que acredito. A começar no amor, na paixão, na amizade, nas luzes e nas cores, nas palavras, nos corpos, nos dias, nas noites, nas essências, em todas as essências que, dentro de si, trazem uma pequena parcela do segredo maior que é a Existência em si. Compreender a Existência implica viver. Viver mesmo. Mergulhar na vida. Amá-la. Amá-la sem medida. Para que ela nos ame da mesma forma. E nos dê torrentes de coisas. E nos dê os seus segredos em torrentes. Nos dias. Nas noites. Nas palavras. Nos silêncios. Nos lábios. Nos beijos. No toque das mãos, no caminhar sem rumo, no cigarro que se fuma à varanda, a altas horas da noite, e se compreende que a Lua e as estrelas estão mais próximas de nós do que quase todas as pessoas que vemos durante os dias. As coisas desvendam-se assim. E é assim que se descobre a proximidade. Das almas, dos corpos, das afinidades. De outras pessoas. Porque as pessoas reconhecem-se pelo brilho que trazem no olhar. Sabem-no. Sabem que a vida é muito, muito mais do que o que muito que parece.

Nunca estamos sozinhos. Já escrevi isto. E nunca estamos mesmo. Porque em toda a parte existem pessoas que se debruçam no mesmo, que mergulham na vida, totalmente. E se não estão sempre connosco, é apenas um desfasamento temporal. Porque na essência, estamos próximos sempre. Filhos do Sol e filhos da Lua e filhos da Estrelas. Sempre próximos das coisas mágicas.
Reconhecemo-nos sempre. E escrevemos um história diferente da história que o mundo escreve ao nosso redor todos os dias. Escrevemos uma história mais bonita e mais real. Escrevemos uma história que, naqueles que amamos, perdurará. Sempre e para sempre. Porque há que ser o que se é. Porque há que perceber que a vida, seja um acaso ou seja um milagre, não pode ser desperdiçada a contar dias, ou a contar qualquer outra coisa. A vida, seja um acaso ou seja um milagre, tem que ser amada, com a mais violenta das paixões e a mais indestrutível das cumplicidades.

Hoje, a Patrícia deu-me apalavra “partilha” para que eu a agarrasse e a guardasse dentro de mim. E guardei-a. E cresce, em todas estas frases. Porque é de partilha que falo. De dar e de receber. A vida é imensa. Nós somos imensos. Somos nós que fazemos a vidinha. E somos nós que nos fazemos pessoazinhas. Se desistirmos. Porquê desistir? Para quê? Com que objectivo?

A vida é imensa. Partilha a sua imensidão. Nós somos imensos. E temos o poder de partilhar a nossa própria imensidão. Não, os horizontes não são figuras bonitas. São coisas reais. Os céus imensos não são imagens giras, são coisas brutais. O sol rebentando todas as coisas com luz não é uma coisa engraçada do verão, nem sequer é uma boa imagem poética. É uma coisa imensa que se abre para nós todos os dias. E nós? O que somos? Coisas imensas que amam, que se perdem nas paixões, que se reencontram nos lugares mais improváveis, coisas imensas que criam, coisas imensas, imensas, do tamanho dos céus, com horizontes de horizontes, com dias de sol a rebentarem dentro de nós. Somos isto. A vida é isto. É isto que eu amo. Só isto, só o que é imenso, mesmo que simples, pode ser amado. O amor está em todas as coisas azuis. E o que são as coisas azuis? São as coisas que reconhecemos, Dentro, como nossas desde sempre.
Desde o início.
Desde que começamos.
Desde que começou a vida.

E que reconheceremos, nossas e da vida,
Até ao fim.
Até ao dia em que, finalmente, terminarmos...

Porto, 29 de Julho de 2005. 2:39m

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Thursday, July 28, 2005
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"Analogia"

Há um momento indefinido. Quando quase falas. Quando quase apareces. Quando quase és tu. Quando quase te cruzas comigo e quase me queres falar de uma grande explosão. Quando quase tens palavras. Quando quase entendo as palavras que quase tens. Quando quase te atiras para onde eu ardo. Quando quase te seguro com os braços em fogo e a alma em pedaços, líquidos, de água, da água que quase és.
Há um momento em que as palavras quase terminam. Há um momento em que a explosão quase se dá.
Há um momento em que quase te amo.
Quando quase continuo e quase retiro todos os quase de todas as frases.

Quase.

Falas. Apareces. És tu. Cruzas-te comigo. Queres-me falar de uma grande explosão. Tens palavras. Entendo as palavras que tens. Atiras-te para onde eu ardo. Seguro-te com os braços em fogo e a alma em pedaços, líquidos, de água, da água que és. Há um momento em que as palavras terminam. Há um momento em que a explosão se dá. Há um momento em que te amo.

E ficas parada. A olhar para as palavras. Queres partir o Quase. Mas não podes partir o Quase. Porque partirias o poema. A presença do Quase é a presença do amor neste espaço. Porque o amor está no poema. E o poema está no Quase.


Paradoxalmente, acabaremos por amar o Quase. Para podermos amar. Quase sem quase nenhum entre nós os dois.

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"Aurora Boreal"

Agarra a minha palavra.
Não importa que seja noite lá fora. Não importaria se fosse dia. Nada importa. Importa a palavra. Esta palavra. Agarra-a. Para que ela não se perca. Não embata numa muralha qualquer nas imediações de ti. Para que ela chegue a ti. E cresça, com as coisas que lhe darás. Com as coisas todas que lhe darás. Com o mundo que criarás com ela. Dentro de ti. Agarra a minha palavra. Não hesites. Porque só existe um momento. Um único momento. Em que ou agarras a palavra, ou ela cai, longe de ti, para sempre. Agarra-a. E torna-a tua. Dá-lhe as tuas coisas. Fá-la crescer.

Eu agarrei a tua palavra.
Este poema é o que dela cresce. É o que lhe dei. São os primeiros momentos da sua vida dentro de mim. Tornar-se-á azul, com o tempo. Tornar-se-á fundamental, com o azul. Tornar-se-á criadora, com a sua essência de momento. Será tudo isso. Dentro de mim. A tua palavra. Que eu agarrei. Vive os seus primeiros minutos, dentro de um poema. Para que a agarres também. Para que, no início e no fim, a palavra seja a mesma. Para que o poema seja o mesmo.
Para que o sonho, que nasce da palavra, seja o mesmo.

O mundo, meu amor, começou sempre assim.

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Wednesday, July 27, 2005
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Precisa-se:

Contra-argumentista. Para contrariar argumento parcialmente escrito, argumento este escrito a uma só voz.
É necessário que possua o seu próprio argumento parcialmente escrito e que, por outro lado, precise de um contra-argumentista. Para contrariar argumento escrito a uma só voz.

Local de trabalho: Âmago da vida.

Descrição das funções: Através de contra argumentações, recriar ambos os argumentos. Escrever um novo argumento. A dois. Numa lógica de criação, argumentação, contra-argumentação. Numa lógica de infinito. Um argumento apenas.

Objectivo: Cumplicidade e Amor eternos.

Contacto: Coração. De notar que é imprescindível o contacto ser mútuo, e num mesmo ponto do tempo e do espaço.

Exige-se talento. Muito talento.
Dá-se talento. Muito talento.

Só responder caso não esteja ainda a pensar se deveria responder.

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“De um outro tempo”

Quando eu era novo, havia um arquipélago. Esse arquipélago era um livro, um romance, não exactamente aquilo que se projecta na nossa mente quando lemos a palavra arquipélago. Bem, não interessa, porque o mais importante era o início da frase. Quando eu era novo. Ainda sou, claro. Mas quando era mesmo. Havia um império grande nesse tempo, um império imponente que, contudo, era feito de areia. Claro que esse império era eu e que só mais tarde eu compreenderia a espessura da areia. Esse império, quando eu era novo e um arquipélago era um livro, tinha um longo caminho a percorrer até compreender a essência da areia.
Há muito de mim que é isto, este império em movimento, procurando capturar, em cada momento, a inocência da areia. Primeiro, primeiro há que atravessar o esquecimento, o silêncio, munido de uma determinação magnética, tendente para o centro do império. Inventa-se um ângulo, uma cor, um tipo de movimento kármico, uma flutuação branca e esse deserto cai, bruto de cimento e de silêncio. É então que descubro a areia. Fina. Intacta. O centro do império. Desvendo-lhe os segredos, em todas as horas, e são cores. Cores que lutam contra palavras graves. Cores que lutam contra tudo o que o esquecimento suga.
São cores. Têm um mistério. Como a areia.
Quando nasceram, todas as coisas eram puras.
Hoje, apenas elas o são: as cores e a areia.
É por isso que as persigo. Porque são de quando eu era novo. Do tempo em que um arquipélago era um livro. Do tempo por onde eu comecei o texto. O exercício. E a minha vida.

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Tuesday, July 26, 2005
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"Night Line -esta noite de Julho"

É 1h45. Eu e a cidade do Porto a esta hora... Uma ligação imensa, de anos. E sei que durará, provavelmente, todo o tempo em que durar a minha vida. Poderá ser outra cidade, mas existirá sempre esta minha ligação às horas da noite. Desta noite. Desta noite de silêncio, de alguns carros que passam lá em baixo. Como escreveu um dia o Miguel Sousa Tavares, “de noite morre-se mais devagar”... E eu sinto isso. Sinto em oposição à fluidez dos dias. Sinto esta densidade das horas nocturnas. Claro que existem noites e noites. E as noites, quando pesam, pesam mesmo. Pesam mesmo muito. Mas também, quando nascem imbuídas de paz, regeneram-nos. É o caso desta noite. Sinto paz. E estou aqui a escrever porque gosto de escrever, nada mais. E porque gosto de escrever à noite. Às vezes as coisas são muito, muito simples. Esta noite, a criança dorme lá dentro. E sei que também por aí a noite cresceu com paz. Porque a criança é paz. A criança é um mergulho sem fim no amor. E a noite, esta noite, compreende-o bem. Sem turbulências, sem agitações. Tudo flui, serenamente, nas horas. A criança e o seu sono de criança, que não sei se hei-de adjectivar como puro ou vigoroso, às tantas das duas formas, de tão total que é. Como o seu despertar. Como a sua presença nas horas do dia, sempre brilhante, sempre explosiva, sempre dada a coisas azuis, As minhas coisas azuis... Ponho-me a pensar nelas por um instante... E regresso, regresso à criança, ao seu sono lá dentro. Às palavras dadas antes de adormecer. À cumplicidade de sempre e para sempre. Meu deus, eu nunca pensei que um dia sentiria coisas assim... A minha alma cresce para que tu caibas nela, filho... Tem que crescer, porque tu és imenso... E a minha alma quer estar inundada de ti, totalmente inundada de ti... E por isso cresce... Cresce na direcção das luzes que, sem o saberes, lhe apontas...
Amanhã vais acordar cedo e reclamar a minha atenção imediata... Mas nem isso. Compreendes-me e dás-me vontade de te ter sempre assim pequenino, com os teus cinco anos, e depois é confuso porque também quero que cresças, que sejas homem. Quero falar contigo um dia mais tarde, sabes? Conversa de homens. Pai e filho. Não, não é sobre mulheres. É sobre nós mesmo. Sobre tudo isto que me dás a viver. Todas as coisas que vou vivendo na minha vida, os amores, as desilusões, as paixões, as coisas lindas, os cansaços, todas estas coisas que vou vivendo enquanto tu, ao meu lado, vais crescendo. Da parte de dentro. Sempre da parte de dentro. Por isso somos tão próximos. E eu dizia que até as minhas manhãs tu compreendes... “Estás cansado, não é pai?” e deixas-te estar ao meu lado, com um livro, e vais-me fazendo festas e dizendo que eu sou muito bonito até que eu desperte... Não pode existir forma maior de despertar...
A noite. A noite envolve-nos. Esta noite. Esta noite cheia de paz. Envolve-nos aos dois. Como amanhã o dia, mas com o dia é diferente, porque o dia tomas tu de assalto e brilhas mais do que o sol que rebenta lá fora. E conduzes tudo, com essa tua força, com esse teu amor, com a tua ternura, com os teus gestos meigos, as tuas palavras que curam todas as dores.
Um dia, vês, vamos falar destas noites, talvez até falemos desta noite. E de tudo o que nos une, nos aproxima.

É uma noite bonita. Com paz. Dormes pura e vigorosamente. E eu escrevo. Penso em ti. E penso nos outros que amo. Espero que estejam bem, felizes. Espero que sobre eles caia uma noite serena. Espero que os que não estão bem, tenham a benção do sono, para amanhã acordarem e ser um novo dia. Espero. Espero que esteja tudo bem. Uns a dormir, outros a fazerem amor, outros a escreverem, outros a lerem, outros a pensarem e toda a gente a preparar-se para dormir.
Para que quando eu, agora, fechar este texto, possa sentir que o meu mundo está seguro nos braços de paz desta noite de Julho.
Porto, 26 de Julho de 2003. 2:07.

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Há pessoas que surgem nas nossas vidas em momentos especiais. Momentos em que nos sentimos especialmente sozinhos e, muitas das vezes, incapazes de verdadeira comunicação com outros. Mas existem pessoas que surgem nesses momentos e que, como anjos, conseguem comunicar connosco, entrar na nossa vida, acrescentar-lhe coisas bonitas. Eu conheci alguém assim. Uma pessoa muito bonita que me fez acreditar mais nos outros e em mim. Com pouco. Porque nesse pouco, me deu muito. E recebeu muito de mim. Às vezes, descobrimos que a nossa alma já não está a falar para o vento. Fala para outra alma. Que a escuta. Que a compreende. Que insufla a nossa de força e de coisas bonitas.
Hoje, essa pessoa, porque o mundo não vive só de almas e de coisas bonitas, porque o mundo tem em si coisas muito feias, muito tristes, essa pessoa está triste. Muito triste. E eu queria estar perto. Para dar carinho. Para, mesmo não podendo fazer nada, dar a minha presença, o meu afecto. Mas não posso. Uma vez mais, o mundo e as coisas se interpõe na forma como as coisas deveriam ser. O que quero dizer, alma bonita, é que este texto é todo para ti. Este texto é um fragmento da minha condição humana, que por ser só humana, me impossibilita de estar fisicamente perto. A minha alma está perto da tua. Estará todos os dias. Nos bons. E nos maus. E mesmo nos dias em que a minha alma não possa resolver os problemas e as coisas tristes que se colocarem no teu caminho, sabe que a presença da minha alma terás sempre. O meu carinho, o meu afecto, o meu abraço terás sempre. Mesmo na distância.
O que quero dizer, alma bonita, é que a minha alma está próxima da tua. E ninguém, nunca, está verdadeiramente só quando existem almas amigas que estão próximas e que nos querem bem. Eu sei-o por experiência própria. Houve alturas em que não estive sozinho, precisamente, porque existem almas bonitas que estiveram perto de mim. Tu também não estás sozinha. Nem nunca estarás. Porque pelo menos a minha alma está sempre perto, muito perto de ti...

Um beijo imenso. *

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Sunday, July 24, 2005
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"Dissertação estúpida que visa demonstrar uma coisa fundamental"

Um dia, vou desenhar o meu corpo no teu. Por dentro. Um dia vou desenhar a minha alma na tua. Por dentro. Um dia vamos ser imagens transparentes. Um dia vamos ter o mesmo corpo, a mesma mente, o mesmo coração. Um dia vamos ser nós.
Um dia, nem a morte nos irá separar.

Sabes, eu acho que ás vezes escrevo coisas estúpidas. Como esta de a morte não nos separar. Ou como termos um mesmo corpo, uma mesma mente, um mesmo coração. Sabes, eu às vezes acho que acredito nas coisas estúpidas que escrevo.
Às vezes era capaz de chegar aqui e mentir descaradamente, dizer que tinha cinco anos. E insistir. E explicar que não, que não era sobredotado, que escrevia o que escrevia, com cinco anos, porque tinha começado cedo, o que me desse na cabeça. Queria lá saber. E se o repetisse muitas vezes, podes ter a certeza que até eu acreditaria que teria cinco anos. Se calhar tenho. Vês? Até posso ter. E dizer coisas estúpidas. E acreditar nelas. Porque que diferença faz que eu tenha cinco ou vinte e nove anos? Não sei. É uma pergunta estúpida. Mas apeteceu-me fazê-la. E apetece-me responder. Não faz diferença nenhuma. Se calhar é uma resposta estúpida, mas eu posso ter cinco anos e não querer saber. Ou posso ter vinte e nove e não querer saber na mesma. Ou até posso ter vinte e nove, acreditar que tenho cinco e, portanto, não querer saber uma vez mais.
Isto é estúpido, eu sei. Mas eu tenho que te dizer que escrevo coisas estúpidas. Que escrevo coisas sem nexo. Que digo que a morte não nos vai separar coisa nenhuma, que vamos ser um nós em que, de facto, somos só um. Tenho que te dizer estas coisas.
Para depois dizer que estou a falar a sério quando digo

“Ternura”

e tu sentires esta palavra entrar por ti dentro como o rebentamento de um dia de sol.

Para depois dizer que estou a falar a sério quando digo

“Nem a morte nos separará”

E tu sentires que eu te estou a abraçar dentro de mim e a desafiar a morte. Porque acredito mais em nós do que nela. Ela é certa. Nós não somos certos. E talvez por isso encontremos uma coisa incerta, como a eternidade.

Para depois dizer que estou a falar a sério quando digo que

“vamos ser um nós em que, de facto, somos só um”
E tu sentires que não quero saber de regras físicas. És mais importante. Muito mais. E vamos mesmo ser só um. Mesmo que não seja possível. Se não for possível eu faço uma coisa bem estúpida, como torná-la possível.

Percebes? Eu preciso escrever coisas que parecem um bocado estúpidas. Porque existem muitas coisas estúpidas. E muitas coisas fundamentais. E eu distingo umas das outras. E quando me apetece brincar, chamo estúpidas às fundamentais, e fundamentais ás estúpidas (se bem que isso nos ensinam desde pequeninos). E quando me apetece falar a sério, às vezes chamo estúpidas às estúpidas e fundamentais às fundamentais, ou volto a chamar estúpidas às fundamentais e fundamentais às estúpidas. Depende da idade que me apetecer ter, percebes?

E no fim disto tudo, vou escrever a coisa mais fundamental

Amo-te

E a mais estúpida

Amo-te

E escrevi que te amo nas duas situações não porque seja estupidamente fundamental ou fundamentalmente estúpido,

Mas porque me apeteceu ser fundamental, me apeteceu ser estúpido, me apeteceu ser uma criança de cinco anos, me apeteceu ser um adulto de vinte e nove anos, me apeteceu ser um outro adulto de vinte e nove anos e pensar que sou uma criança cinco, e, já agora, me apeteceu ser uma criança de cinco e pensar que sou o outro adulto de vinte e nove anos. Apeteceu-me ser isto tudo

E nem por um segundo me apeteceu deixar de ser teu.
O que não é estúpido nem fundamental.
É uma cor. Azul Ciano. E as cores não são estúpidas ou fundamentais.
São primárias ou secundárias.
Esta é primária. O lilás, por exemplo, é secundária.

Olha, sabes o que seria mesmo estúpido?
Escrever isto tudo e não dizer que


Tu és Fundamental.

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"Líquidos"

Bebo as tuas palavras. A uma hora destas. A uma hora improvável para beber palavras que talvez falem de amor, ou que, vistas do fundo de si próprias, talvez falem de solidão. Talvez as palavras falem de um percurso, talvez as palavras falem de um trilho. Eu bebo as tuas palavras, e preciso de encontrar nelas o teu caminho, a tua direcção. Não é por nada. Não é por coisa alguma, é apenas, e só, porque as almas tocam-se e os caminhos permanecem. Ninguém se perde. Ninguém desaparece. Não enquanto eu estou a olhar para as palavras, e para as frases, e para as modulações da noite. Não há destinos transviados. Talvez existam destinos cruzados. E eu bebo as tuas palavras e debruço-me sobre as conexões. Debruço-me sobre o teu olhar impossível. E o teu olhar disse-me que era impossível. E não importa. Porque quando um olhar diz, o outro diz o mesmo. O outro sente o mesmo. Por isso, importam-me as conexões, importa-me o travo de percurso em que as palavras se enredam. As minhas e as tuas. Não sei. Não sei se algum dia poderemos dizer as nossas. Mas um dia pudemos. E, só por isso, as minhas terão sempre algo de teu, e as tuas algo de meu.

E há uma luz azul que abençoa esta hora improvável.


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Saturday, July 23, 2005
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"Incerteza"

Fechar a porta e saber que levas contigo algo mais do que a tua presença física. Ir lá fora, à varanda, respirar o vento, e perceber que não é só a dimensão do teu corpo que levas. Há algo mais que tiras. Há algo mais que me tiras a mim. Há algo mais que tiras ao entardecer neste lado da cidade.
Não o sei definir, porque me foge por entre os dedos. Não o sei definir porque se me escapa entre as palavras. Não o sei definir porque se esconde nos espaços mortos das frases. Não o sei definir, porque volto para dentro e o que faço é um inventário. Um inventário de todas as coisas que tenho aqui, na casa, no corpo, no espírito, na tarde. E é um longo, logo inventário. E procuro perceber o que falta. Procuro perceber o que levaste contigo. E não percebo.

Deixo os meus dedos mergulharem na aragem azul do entardecer, e procuro as ramificações de ar que me possam explicar o que afinal mudou de local, o que, fundamentalmente, se alterou... Enredo-me em coisas enlaçadas, e o que descubro são estas palavras. E elas não têm a resposta.
Nem eu.

E deixo-me ficar, parado, a olhar para o que levaste contigo.


Penso que seria uma coisa azul... Mas não tenho a certeza.

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“Ausência”

Talvez seja só um pássaro que voe dentro da minha garganta
Talvez seja só um peixe que nade dentro das minhas cordas vocais
Talvez seja só um incêndio na humidade da minha língua
Talvez seja só uma colisão de astros nos meus dedos

Talvez sejam só coisas assim,
Metáforas e figuras de estilo.
Talvez sejam só coisas destas,
Coisas das palavras e de frases.

Talvez sejam só visões momentâneas,
Talvez sejam só fragmentos do meu córtex cerebral
Talvez sejam só contrastes que perduram no ar
Talvez não seja nada.

Talvez seja escrever.
Talvez seja reduzir tudo à forma escrita.
Talvez seja ter que ter isto tudo como algo inteligível,
Em palavras e símbolos.

Ou talvez seja o não saber de ti.
E a falta que me fazes.
E as palavras que nem te encontram
Nem sabem dizer a tua ausência.

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Friday, July 22, 2005
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“Tem a ver com pornografia”

Preciso. Tem a ver com precisar. Tem a ver com o teu amor a subir pela noite dentro, tem a ver com o teu amor a sinalizar coisas de fogo, coisas sem fim. Tem a ver com precisar. Tem a ver com precisar de te ver cair. Tem a ver com precisar de te ver agarrares o meu olhar. Tem a ver com precisar. Tem a ver com veres-me cair. Tem a ver com precisar de me agarrar ao teu olhar.
Tem a ver com as palavras. Com todas. Com as ditas. Com as não ditas. Tem a ver com o silencio. Tem a ver com a respiração. Tem a ver com vertigem. Tem a ver com o mito da vertigem. Tem a ver com a queda dos mitos. Tem a ver com a vertigem não ser um mito. Tem a ver com precisar. Tem a ver com precisar de erguer a vertigem no meio da noite, por entre as estrelas, os astros e os loucos. Tem a ver com precisar. Com cair. Tem a ver com precisar de cair. Tem a ver com precisar. Tem a ver com mergulhar. Tem a ver com precisar de mergulhar. Tem a ver água. Tem a ver com lábios. Tem a ver com saliva. Tem a ver com precisar. Tem a ver com precisar de lábios e de saliva e de água. Tem a ver com ser. Tem a ver com seres minha. Tem a ver com ser. Tem a ver com ser teu. Tem a ver com precisar. Tem a ver com precisar de sermos um do outro. Tem a ver com palavras. Outra vez com palavras. Tem a ver com precisar de palavras. Tem a ver com não precisar do precisar. Tem a ver com não precisar de palavras. Tem a ver com precisar do não precisar do precisar. Tem a ver com precisar. De palavras. Tem a ver com chuva. Ou com água. Tem a ver com género. Tem a ver com feminino. Tem a ver com masculino. Tem a ver com conexão. Tem a ver com estrelas. Tem a ver com estrelas cruzadas. Enlaçadas. Tem a ver com amor físico no céu. No céu mesmo. Onde há estrelas e lua. Tem a ver com estrelas que precisam. De palavras. Tem a ver com estrelas que avançam na queda, na vertigem. Tem a ver com a vertigem. Tem a ver com o que cresce. Tem a ver com a sudação. Tem a ver com a sudação que cresce. Tem a ver com calor. Tem a ver com precisar. Tem a ver com precisar do calor da tua pele na minha. Já não tem a ver com estrelas. Já não tem a ver com céu. Tem a ver com corpos. Enlaçados. Tem a ver com palavras que combatem a respiração. Tem a ver com a respiração que combate as palavras. Tem a ver com combate. Tem a ver com aliteração. Tem a ver com embate. Tem a ver com precisar. Tem a ver com precisar de cair, cair, cair. E encontrar a palavra. Tem a ver com precisar. Da frase. Tem a ver com precisar. Tem a ver com precisar que só existas tu em mim. Tem a ver com precisar com que só exista eu em ti. Tem a ver com agregar. Tem a ver com precisar que só existamos nós um no outro.

Tem a ver com pornografia. Tem a ver com amor. Tem a ver com destino. Tem a ver com precisar. Tem a ver com precisar da pornografia para ver o amor. Tem a ver com precisar do amor para ver a pornografia. Tem a ver com precisar do amor e da pornografia para ver o destino. Tem a ver com destino.
Não tem a ver com precisar
.

Tem a ver com destino.

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Thursday, July 21, 2005
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"A True Story"

Esta história é verdadeira. Totalmente verdadeira. Qualquer coincidência não é puramente casual. Aconteceu mesmo. E aconteceu comigo.

Fui detido. No aeroporto. Ia em viagem. Ao passar por uns estranhos detectores (não eram os detectores de metais, esses eu já havia passado), vários alarmes dispararam e imediatamente me vi rodeado de polícias e de cães que, com brutalidade, me arrastaram para uma sala contígua, isolando toda aquela área.
Eu não sabia do que se tratava. Mas estava certo que tudo se esclareceria. Só poderia haver um engano.
Curiosamente, notei que enquanto os guardas se mostravam especialmente assanhados, com dentes de fora, e com um ar ameaçador completamente despropositado, os cães olhavam-me com com alguma ternura. Adoro esta palavra. Já o disse? Já. Adoro mesmo.
Bem, então um dos guardas disse-me “Com que então, onde o senhor pensava que ia com toda essa quantidade de amor dentro de si?”
Fiquei atrapalhado. Não sabia que agora vigiavam o amor que trazíamos dentro de nós. Eu sabia que trazia muito. Toda a minha vida trouxera. Nasci assim, cheio de amor, e cresci assim, com cada vez mais amor dentro de mim.
Portanto, achei melhor responder a verdade, e disse que ia para a vida dela.
“Para a vida dela?” e depois soltou uma gargalhada... “Ninguém aguentaria uma dose de amor como a que o senhor leva consigo. Aliás, temos aqui o seu historial, e consta que várias vezes submergiu pessoas com as suas doses excessivas de amor, meu caro...”
“Não foi nada nisso. Só que cada um ama com o amor que tem dentro de si. Uns têm mais, outros menos. Eu tenho muito. E isso às vezes confundia as pessoas. E elas fugiam. Mas não lhes fazia mal, mal... Às vezes exagerava, mas mal, mal...”
“Hmm, hmm... E o senhor disse portanto que ia para a vida dela...”
“Isso! Porque o amor dela é como o meu! Denso, Profundo, Imenso! Ela ama de uma forma absoluta, como eu! Com uma entrega total, como eu! Ela ama-me tanto como eu a ela, e olhe que isso não é fácil”...

“Pois, mas sabe que é proibido carregar tanto amor. É perigoso. Se quer ir ter com ela, leve só um bocadinho de amor. É o que nós todos fazemos. Andamos com um bocadinho de amor, damo-nos bem, de vez em quando, casamos, copulamos com a frequência mínima, procriamos e depois morremos. Não é uma má vida, não senhor..”

“Pois, mas eu quero mais! Muito mais! E ela também! Eu quero muito amor, quero escrever Ternura em toda a aparte, quero sentir o calor da pele dela e saber que isso é um milagre. Não quero copular, quero fazer amor e pornografia, em todos os locais bonitos do mundo, quero puxar coisas brancas de dentro das estrelas, quero que estrelas voem nos quartos enquanto os alagamos com os movimentos impossíveis dos nossos corpos. E crianças, claro que quero crianças! E ela também! Muitas. Lindas. Quero ensinar às crianças o amor, a água, o vento, o sol, a lua, as estrelas, a liberdade, as grandes imensidões! É isso que eu quero! E é isso que ela quer! Portanto, vou ter com ela!”

O pior, no entanto, foi quando descobriram a Beleza... “O que é isto? O senhor tem aqui Beleza suficiente para tornar o mundo num extenso poema! E o mundo quer poemas, sim, mas ao serão, e muito poucos, e vendo bem, nem ao serão. Só em recitais onde os últimos dos últimos ainda vão”

“A Beleza é para mim e para Ela! Para o nosso Mundo! Já não me interessa o mundo. Este mundo com guardas e cães alfandegários, e serões, clubes de poesia que parecem guetos de tristes... Não, não quero isso. Vou para o outro Mundo! E vou. E levo esta Beleza toda comigo! E vou espalhá-la pelos oceanos, pelos ventos, na cara das crianças, nos sorrisos puros de todos os que ainda amam a Beleza e o Amor”

“O senhor está detido. E vamos apreender-lhe estas doses letais de coisas perigosas. E será, certamente, condenado a uma vida de escriturário cinzento. Arranjar-lhe-emos uma esposa condigna, uma habitação modesta mas limpa, e poderá escrevinhar umas coisas de vez em quando. Foi o que fizemos a Kafka, sabia?”
“Sabia... E já viu que Kafka, por muito bem que escreva, é cinzento?... Olhe para mim! Eu sou azul, por dentro, por fora, nas veias, na aura, em toda a parte! E sê-lo-ei Sempre!”

Então estrelas soltaram-se-me dos dedos e numa magia azul consegui com que a atenção deles se prendesse num dos cães que desatou a ganir (foi de propósito, porque os cães há muito haviam percebido o meu amor e estavam do meu lado). Fugi, protegido pelos outros cães.

E entrei no avião. E levantei voo. Carregado de amor, de Beleza, de Infinito! E depois percebi que não saiba aterrar... Não sabia...
Voei na direcção dela e despenhei-me... Mas era o que eu queria, despenhar-me na vida dela, como um astro flamejante, carregado de Amor, de Beleza, de Infinito...

Ela esperara-me toda a vida. A olhar para o céu. Porque sabia que era do céu que eu viria. Porque sabia que as coisas imensas vêm do céu e do firmamento. E sabia que eu me despenharia. Como um astro flamejante. Carregado de todas as coisas Belas.

E os nosso lábios tocaram-se. E os nossos corpos amaram-se, numa vertigem de impulso, de loucura, de vento.
E nesse preciso momento, algures no mundo que eu deixara, uma criança sentiu um impulso irresistível para escrever num muro a palavra “Ternura”...


(para quem me esperar no final da palavra “ternura”...)

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Wednesday, July 20, 2005
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“Comunicado à Gerência”

E foi assim. Um dia, acordei, e já não me apetecia escrever para ti. Não me apetecia, só isso. Nem tinha, de facto, nada de novo para te dizer. E não me apetecia repetir-me. Não me apetecia dizer-te nada. Já nem era porque lesses ou não, porque ouvisses ou não, era só mesmo porque já não me apetecia. Não fazia, já, sentido algum.
Se o previ? Talvez... Há coisas que vão mudando dentro de nós... E podemos resistir à mudança... É possível. Aliás, na vida do dia a dia, pode-se prolongar esta resistência, este viver em desonestidade connosco por tempo indefinido. Nas palavras, no que se cria, é mais difícil. Porque se estabelece uma relação pura. E aí não cabem mentiras. Dúvidas, confusões, ambiguidades, sim , claro. Mas mentiras não. E eu notei. Notei que a vontade de te escrever diminuía todos os dias. Foi tão evidente quando escrevi um pequeno texto em inglês... Senti que tinha picado o ponto.
Não faz sentido picar o ponto nestas coisas. Eu que não gosto de picar o ponto em nada, ia agora andar a picar o ponto naquilo que mais gosto, que é o amor e as palavras? Não. Portanto, no dia seguinte, escrevi uma carta à gerência em que explicava as razões do meu afastamento definitivo. Ou seja, explicava aquilo que se tinha alterado dentro de mim e as razões para isso. Não sei se a gerência leu. Nem me interessa. Porque não mais lá voltei. Nem, estou certo, voltarei. Seria preciso que a gerência explicasse erros fundamentais. A gerência não explica erros fundamentais. A gerência tem razão, ou crê que a tem, e ponto final. Por mim, óptimo. Pelo menos, no ponto final eu e a gerência concordamos.

E foi assim que tudo mudou. Foi assim que um dia deixei de escrever para ti. Com a mesma verdade com que, durante dois meses, te escrevi todos os dias. Vá lá ao menos não me poderás acusar de ser hipócrita. Piquei o ponto uma vez, confesso-o. E peço desculpa. Nestas coisas, não se pica o ponto. Mas todos temos as nossas fraquezas. E eu tinha medo de saltar no escuro. E passei dias com este medo. Mas depois percebi que tinha que saltar. E que não seria no escuro. Tinha luzes dentro de mim. Saltaria no mundo. E cairia, seguramente, em locais abençoados. E assim foi. E assim, Deus me proteja, será.

Porque a gerência diabolizou-me. O que se compreende, enquanto táctica psicológica para melhor enfrentar determinados momentos. Porque a diabolização conduz a uma aproximação dos que nos estão próximos, na medida em que estamos, hipoteticamente, a ser alvo de ataques diabólicos. Não era o caso, mas terá resultado na mesma. Creio, e tenho que o dizer em abono da gerência, que a própria gerência acreditou nessa imagem diabólica. Não foi calculismo. Foi um erro, uma forma de autodefesa.

Posto isto, resta-me apenas alertar a gerência para o facto de que um dia, com toda a certeza, se verá confrontada com essa diabolização. A vida é assim. Atitude leva a consequência. Sei bem do que falo. E a gerência um dia terá que olhar para a verdade.

De todas as formas, desde o momento em que me demiti do cargo, já não é assunto meu. Quero apenas explicar à gerência que entendo a animosidade de alguns elementos do seu círculo mais restrito. Entendo-a mas, como é óbvio, não a valorizo. Já deixei a empresa, conforme disse.

Portanto, sigo o meu caminho. Bem. Feliz. Não pico o ponto. E, suprema benção, escrevo. Escrevo com uma felicidade estonteante nos dedos. É isso o importante. O mais importante. Fidelidade a nós. À nossa pureza. Ao que em nós é luz. E a felicidade vem por aí baixo, louca, endiabrada, em torrentes mágicas.

Escrevo para o que me apetece. Para quem me apetece, ainda que esteja apenas na minha cabeça, algures no mundo, à minha procura também...
Escrevo para o que me apetece. E por isso escrevo com verdade. E com alegria.
E sinto-me em paz.
E isso vale muito. Muito mesmo.
Escrevo para o que me apetece. E, por isso, esclarecido este ponto, não voltarei a escrever sobre este tema. Precisamente, porque não me apetece.
Nunca mais.

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Como será?

Virás vestida de lua? Arrisco a loucura e faço-me sol? Arrisco a loucura e puxo estrelas para os meus dedos? às vezes penso nos teus cabelos. São o firmamento. E os meus dedos deslizam por entre esse horizonte. Estrelas cadentes, porque tenho estrelas nos dedos. Já escrevi sobre isto.
Gostarás de estrelas cadentes? Toda a gente gosta. Mas eu falo de estrelas cadentes que me caem dos lábios na proximidade impossível do amor. E falo das estrelas cadentes que me caem dos dedos ao ritmo que tua imagem impõe às minhas palavras. Gostarás destas estrelas cadentes?
Virás vestida de Lua?

Sabes, eu crio a minha loucura. Esta loucura de estrelas e de sóis, para que os dias iguais não me afundem nos seus esquemas traçados, delineados, previsíveis e identificados.
O que canto é uma revolta. Desertei há muitos anos. Para procurar as coisas fundamentais. E agora regresso, e o que entôo são cânticos de uma revolta azul.
Canto as coisas puras. Longe, longe do mundo. O mundo subverte as coisas. Não entendo o código do mundo. Deitei fora o chip da perversidade. Deitei fora o chip do calculismo, das coisas cínicas. Deitei tudo fora. Tudo.
Fiquei com os meus sentidos. Com a minha lógica. Com a minha paixão.
E o que canto é o que as cores dão à minha alma. O que canto são as palavras que se depuram dos usos perniciosos, e incrustam pureza nos meus lábios e nos meus dedos.

Canto-te a ti. Porque nasces na minha mão esquerda. Não acredito em nada tanto como acredito na minha mão esquerda. No que ela cria.

Virás vestida de Lua? Não tenho todas as respostas. Mas tenho todas a sperguntas.
E cada dia formulo mais. E cada dia acordo com mais sol e mais respostas, e mais perguntas. E menos mundo. Deitei fora os chips, já disse.

O que canto é isto. Este momento. Todos os momentos. Seria existencialista, mas não tenho tempo. Não páro entre os momentos. E é tudo uma enprme devastação azul.

E tudo são incêndios nos minutos.
E afogo as horas entre as sereias.
E escrevo Ternura nos dias e desapareço.

E reapareço.
Com o sol dentro dos meus olhos,
Com as estrelas nos meus dedos,
Com a tua promessa nas minhas veias.

Reapareço.
E só tu, no mundo inteiro, sabes que sou eu.

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“Falling Stars”

Eu acredito em foguetes luminosos lançados do meio da vida.
Eu acredito em frases mágicas que cortam o céu ao meio, fazendo cair estrelas nos teus braços.
Eu acredito nas estrelas que trago nas minhas mãos e que te atiram sonhos e coisas azuis.
Eu acredito na magia fundamental.
Eu acredito em tudo o que é fundamental.
Eu acredito em milagres. E acredito que estes acontecem nos locais mais improváveis.
Eu acredito que o meu coração é um local improvável.
Eu acredito que o teu coração é um local improvável.
Eu acredito na velocidade da noite,
Nas suas águas rápidas,
Que fazem as palavras verter com a pureza primordial.
Eu acredito na lua, e nos caminhos de amor que ela testemunha.
Eu acredito no sol, e nas explosões que ele confere aos dias.
Eu acredito no sol, e nas explosões que ele confere aos locais mais improváveis.
Eu acredito que o meu coração é um local improvável.
Eu acredito que o teu coração é um local improvável.
Eu acredito que forças maiores falam por nós e nos sinalizam.
Eu acredito que os destinos se cruzam, por uma vida, ou por uma noite.
E acredito que se enlaçam, se entrançam em fibras mágicas e se ligam em veios de eternidade.
Eu acredito na eternidade de todos os momentos.
Eu acredito nas cores.
Eu acredito que se podem construir mundos só com cores.
Eu acredito nas palavras.
E acredito que se podem construir mundos só com palavras.
Eu acredito que todas as flores do mundo nos ouvem.
Eu acredito que todas as flores do mundo nos vêem.
Eu acredito que todas as flores do mundo nos perseguem
Desde sempre
Para que nos sinalizemos um ao outro.
Eu acredito nas paredes do mundo inteiro pintadas com a palavra Ternura.
Eu acredito nas ruas do mundo inteiro pintadas com a palavra Magia.
Eu acredito nas crianças. Na sua capacidade de transmutar o quotidiano.
Na sua capacidade de o insuflar com doses brutais de Beleza.
Eu acredito que sou criança.
Eu acredito que és criança.
Eu acredito em sonhos.
E acredito que os sei tornar eternos.
Manipulo-os nas minhas mãos infantis
E tu saltarás para dentro deles,

E ambos guardaremos
Sonhos entre a Ternura e a Magia.

(para ti, uma vez mais...)

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Tuesday, July 19, 2005
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"Escrever Infinito"

Escrever. À imagem de um desenho indefinido. Escrever. Escrever a noite e os seus contornos. Escrever. Escrever a tua fluidez por entre as minhas palavras. Escrever. Escrever a tua nudez por entre os meus abraços aos dias que me enchem o peito de imensos nadas.
Escrever. Escrever-te. Escrever-te para te dizer que o infinito é simples. Muito simples. Escrever-te. Escrever-te para te dizer que não sei onde guardei o infinito. Não to posso dar agora. Guardei-o. Nos meus dias. Porque era precioso. Mas os dias roubam-nos coisas. Desde a infância, os dias roubam-nos coisas. E nós continuamos a acreditar nos dias. Eu acreditava. Mas os dias roubaram-me o infinito. Tens-me sem infinito. Sou quase infinito. Propendo para lá. A minha mente está mais sempre no infinito do que no finito. É um facto. Mas não gosto que me roubem. Não gosto que me roubem coisas. Principalmente o infinito. Porque o infinito seria o que teria para te dar agora. Tenho os meus lábios. Não são o infinito. Mas saberia desenhar um mapa para o infinito na tua pele. Saberia. Com os lábios. Mas não tenho o infinito, percebes? Talvez volte atrás, alguns dias, e o descubra, caído num canto qualquer. Talvez ameace um receptador de infinitos e ele me diga a quem vendeu o meu infinito. Talvez o faça. Mas depois, depois, quase de certeza veria o meu infinito domesticado, provavelmente na decoração cinzenta de uma qualquer vida vulgar. As vidas vulgares gostam de pendurar infinitos nas paredes. Eu não. Eu ando sempre com ele. Nos olhos. Nos lábios. Nos dedos. No corpo que propende para o amor em cada segundo. Acho que tem mais a ver com o infinito. O meu infinito era feliz. Agora não sei. Se calhar empalharam-no. E já não é feliz. É só um infinito. Que nem histórias conta. Porque as vidas vulgares não gostam de histórias de infinitos. Gostam de histórias que acabam bem. E nem sempre os infinitos acabam bem. Às vezes acabam mal. Às vezes acabam abruptamente. Finais tristes. Ninguém gosta. Mas o infinito cresce. Se o trouxeres no peito, na pele, nos lábios, no olhar, nos sentidos, no corpo que se desenha para o amor, em todos os momentos, então o infinito cresce. Sabes que o infinito é uma criança? Lembras-te de ti quando tinhas 4 anos, acreditavas em tudo e bebias sol como se a tua alma tivesse uma insaciável sede de luz? Eras o infinito. E trouxeste-o, todos os dias, por entre os dias. Já disse que os dias roubam infinitos. Se vires o meu, diz-me. Não procures o teu. Noutro dia, vi que os dias to iam roubar. Guardei-o. Está aqui. Comigo. É lindo. Lindo. Mas depois perdi-te o rasto. Mas está aqui. Segue o teu infinito. Segue-o. Chegarás a mim.
Eu tenho outros. Porque eu crio infinitos, sabes? Muitos. É o que faço nos dias. Crio infinitos. Estou a criar um, muito bonito. É fácil criar infinitos. Um dia explico-te, quando vieres de encontro ao teu. Vais à criança que foste e és, e pedes-lhe a tua pureza. Depois deixas que o sol , a lua, as estrelas, os sorrisos, as crianças (sempre as crianças, é muito importante!) brinquem com o teu infinito. Vão dar-lhe coisas. Coisas infinitas. E depois, depois só tens que o trazer no olhar, nos lábios, em tudo o que em ti propende para o amor.
Eu estou a fazer o meu. Para trocar contigo.

Queres trocar de infinito comigo?

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“Promessa – II”

Por entre dias

Por entre semanas e meses

Talvez até por entre anos

O som das tuas palavras. O cheiro dos teus cabelos. O calor das tuas mãos.

A ideia de permanência. Tenho-te dentro de mim. Num dia de sol. Sorris.

Sorris sempre. Existem as crianças. Há um curso de água, perto.

Estás perto. Estás sempre perto. A minha vida toda. Toda

A minha vida toda cabe dentro de ti.

A minha vida toda cabe dentro do teu olhar.

Quando reflectes a minha presença em ti. E sorris.

E eu olho para dentro de ti

E vejo a água, e as crianças, e a permanência

A minha vida toda.

Toda.

(a ti, que virás... )

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Carta

“dentro de mim os nossos olhares partiram” – André Domingues – “A olho nu” in scriptease.blogs.sapo.pt

Escolhi esta frase porque sinto que, em mim, resume muito do que tenho para te dizer. Talvez nem seja particularmente a ti. Talvez seja a mim, mesmo.
Porque se trata de dentro de mim. Das minhas coisas. Dos meus passos. Do que persigo ainda, na vida e, porque a vida é uma coisa muito ampla, sem sentido concreto, aquilo que persigo nos dias.
O que perseguimos tem que estar dentro de nós. Tem que ser uma força motriz. Porque é só assim que as coisas funcionam com verdade, porque é só assim que, de facto, vivemos. Eu, como toda a gente, tenho medo de determinados saltos. Saltos no vazio, ou no escuro. Mas tenho que olhar e enfrentar a realidade. Mais dia, menos dia, a realidade confronta-nos. E devemos ser nós a fazê-lo, cedo, para que avancemos no caminho. Para que, mais cedo do que tarde, cheguemos ao nosso destino.
Por isso, tinha que te dizer que dentro de mim, os nossos olhares partiram. Partiram, porque nunca os seguraste. Partiram porque não houve um momento em que eu sentisse que querias que não partissem. E é impossível criar um amor a um. Ficamos num monólogo, em casa, ou num blog, a viver algo que não existe, algo na fronteira entre uma neurose e uma psicose. E a vida é muito mais do que isso. Mesmo que agora não mo pareça. Mesmo que agora sinta um desfasamento fundamental entre o ímpeto do Verão abrasador e esta sensação de folhas caídas dentro de mim. Mas haverá um tempo, um tempo que vem com o tempo, em que os dias me parecerão certos, ou eu me parecerei em sintonia com eles, na sua cadência.
Não tenho dúvidas que, nesse momento, talvez te compreenda melhor. Porque quando amamos, a verdade é que compreendemos pouco. Pelo menos com clareza e lucidez. Não creio que vá achar que, afinal, tu tinhas razão. Não tinhas. Não tens. Nunca terás. E, contra todos os argumentos que me possas apresentar (na hipótese, claro, porque não apresentas nenhum) eu respondo-te que tu nunca poderás ter razão pelo simples facto de que foste tu que desististe. Conta o que fiz. Conta o que te fez ter dúvidas. A resignação. A desistência, essa, não é, nem nunca foi, minha. Não faz parte do meu carácter. Não acreditei que fizesse parte do teu. Talvez não faça. Talvez tudo seja mais simples. Talvez tenhas deixado de amar e, assim, não é uma desistência, é um acto lógico. Mas tu sabes, no fundo de ti, tal como eu sei, que não foi assim. Tu desististe. Desististe porque tudo à tua volta foi mais forte do que o teu amor por mim. Todos os conselhos te lembraram o mesmo. Todas as conversas fizeram de mim o mesmo personagem. Não deixa de ser curiosa a sensação de estarmos num guião escrito por pessoas que não fazem a mínima ideia de quem somos. Uma coisa te digo. Em relação a alguns dos/das guionistas, não me dizem nada. Nunca disseram. Nunca dirão. São, em todos os aspectos, emocional, intelectual, vivencialmente, inferiores a mim. Isso não me incomoda. Mas tu ouviste quem quiseste. E presumo que também não tenhas ouvido quem não quiseste ouvir. E se calhar deverias. A começar por mim. Deverias ter-me ouvido. Mas não. E, estou certo, houve quem te apoiasse, quem te desse razão. Estupidez ou cobardia? Ou as duas coisas? Não me interessa.
Eu movimento-me noutras coisas, agora. Movimento-me em dias em que ganho mais e mais consciência de quem sou. Consciência do que fiz. Consciência do que fiz de mal e, novidade, consciência do que fiz de bem. Uma coisa podes ter a certeza: nunca na tua vida encontrarás alguém que te ame como eu te amei. Tu sabes isso. Não digo que não sejas feliz. Sê-lo-ás, e quando não o fores, fingirás que és. Mas sê-lo-ás, quase sempre.
Mas o que eu te dei ao longo destes meses, nunca mais ninguém to dará.
E o contrário também se pode aplicar. Existem coisas que tu me deste, que fazem parte de mim, que ninguém mais me dará. Existem coisas que são tuas e que serão tuas para sempre.
A diferença entre nós, insisto, é que enquanto eu amava, enquanto eu revirava o mundo para te poder amar outra vez, enquanto eu dava mil voltas à cabeça de coisas para fazer, escrever, inventar, eu sei lá (e tu sabes como a minha cabeça é), enquanto isso tu desistias.
São duas atitudes antagónicas.
Um dia poderei dizer que já não te amo. Guardarei sempre com carinho coisas lindíssimas que vivemos. Guardarei sempre dentro de mim esse dia 7 de Fevereiro do ano 7 que tantas coisas mudou. Fizeste-me voltar a acreditar. Isso devo-te. Dever-te-ei sempre. Se não caí pela minha vida abaixo, foi precisamente porque te conheci e porque tu me fizeste voltar a acreditar em coisas em que eu já não acreditava.
Mas depois, meu amor, e se calhar é última vez que te trato assim, desististe. Deixaste de acreditar.
E eu, tentei puxar-te. Tentei lembrar-te o sonho imenso. Estavas cega. Estavas surda. Partiste.
E eu, hoje, olho para mim e vejo isso mesmo. Dentro de mim os nossos olhares partiram.
Damaste, menina do riso solar.

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Monday, July 18, 2005
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“Manual de Pornografia – IV e último capítulo”

As coisas brancas não são conceptualizáveis. Pertencem a um universo sensitivo, de multiplicidades, como esta em que percorro a tua pele nua com ternura e, de súbito, um mundo branco descarrega nos meus dedos imagens de contrastes, e a carícia subverte-se em algo fundamental, essencial, incontornável, uma forte pressão das minhas mãos contra a tua pele.

Digo contra. E isto é importante. Porque há algo na pornografia branca que, sendo feita a dois, é sempre feita de um contra o outro. É uma parte da sua essência.

Encontras esta multiplicidade, também, no meu olhar. E no teu. Ambos sabemos que entre uma deusa e uma puta nada mais existe do que o combate pornográfico de dois olhares cruzados. Nada mais.

Saio para a rua. Desenquadrado. Desenquadrado porque trago imagens comigo. E as imagens não são do mundo. Não cabem no mundo. São fotogramas que guardo nas minhas veias, enquanto te procuro, fotogramas que escondo do que me rodeia. Nunca entenderiam o jogo de contrastes, o preto e o branco, as movimentações erráticas que o desejo desenha.

Ando pelas ruas, e é como se não andasse. É como se andasse apenas nesta imagem, nesta imagem tua que tenho dentro de mim, nos passeios, nas ruas, nos dias, nas semanas que me consomem.

Eu sei, eu sei que hoje te desenharei de bruços. Eu sei que hoje essa imagem me fulmina. A cada instante.
Tenho que amar o teu corpo de bruços, entre o branco dos lençóis e da minha mente, nos quartos que transpiram pelas paredes o calor impossível dos grandes desígnios do espírito.
Tu és um desígnio do meu espírito. O que me fulmina por dentro, é hoje uma trave mestra do edifício do meu ser.

Preciso do teu olhar, num ângulo quase fechado, para saber que a pornografia do meu corpo colado aos teus quadris te embebeda de loucura. Para te dar o meu próprio olhar embriagado com as tuas costas e os teus movimentos sagrados.

Agora podemos ser tudo. E no fim, restará o amor.

O amor que a pornografia agride. Porque a pornografia, meu amor, só é pornografia porque toma conta de tudo o que é essência em nós. E o amor, nos dias, é essência. Mas a pornografia rouba-lhe estes momentos, estes momentos de sensações fulminantes, de imagens que explodem por dentro, de quartos que se comprimem debaixo para cima, de corpos que se comprimem de trás para a frente.

A pornografia exige tudo. Até a violentação do nosso amor. Porque é uma explosão de corpos, de matéria. Uma implosão de mentes, uma subversão de afectos. É esse o poder das suas imagens.

Porque tu, deitada de bruços, não és tu, com tudo o que trazes nos dias. És tu, deitada de bruços, e o que trazes nos dias foi ficando pela casa, nos locais por onde foste espalhando a roupa que tiraste, por onde as coisas brancas te foram despindo das convicções que trazias.

Tu, deitada de bruços és nua. Não estás nua. És. Despida de roupas e de todas as outras coisas. E em ti seguras apenas o pulsar hipnótico da tua libido.

Aqui não há amor. Nem violência. Nem desprezo. Nada.

Aqui existem dois corpos e a torrente magnética que as coisas brancas neles induzem.

Há o teu corpo de bruços, o teu olhar impossivelmente pornográfico.
As tuas palavras entrecortadas, ditas a custo, entre a respiração que se altera.

Existe o meu corpo sobre o teu.
E o meu olhar cerebral, analítico. Que regista todas as variações no teu corpo, alimentando assim de imagens a vaga branca que nos arrasta contra as paredes de um mundo cada vez mais pequeno.

As minhas palavras lentas, densas. Descem por ti. Dos teus ouvidos, pela tua pele, nos teus flancos, na curva das tuas costas. No meio das tuas pernas. Há um instante em que só aí me ouves.

É quando o encantamento dispara. A hipnose do fogo se acelera.
As imagens condensam-se, comprimem-se,
Mais e mais e mais
Até que explodem, implodem, rebentam
Com tudo o que nos amarra aos dias.

Existem segundos em que caímos sem rede num abismo de cores.
Existem segundos em que caímos na profecia de uma vertigem branca que se realiza.
Existem segundos em que o mundo acaba, e só nós, na queda e na ascensão, permanecemos vivos.

E depois tudo recomeça. No olhar que logo procura o equilíbrio. Porque a loucura ronda estes abismos. E o equilíbrio chama-se amor. E é a ternura que conduz o olhar, por entre enormes devastações, por entre grandes incêndios que se extinguem, por entre as coisas que criamos na loucura, na pornografia.
E o que criamos é efémero na essência. E é eterno porque atravessa os dias e se desenha no fulcro da memória.

Sabes, amanhã vou rasgar o manual. Já não preciso dele.

A tua pornografia está em todas as flores do mundo.

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“En tu senda”

Será que te saberei dizer? Dizer isto que vejo agora. Isto que agora é tão essencial, tão premente, tão fundamental. Isto que agora é a minha vida. Tu. E eu. E os anos. E as crianças.

Será que te saberei dizer isto? Será que te saberei dizer isto todos os dias? Ou será que deixarei os dias entrarem aqui, e dias haverão em que olharei mais para os dias do que para ti? Será que saberás sempre? Ou será que às vezes, à noite, duvidarás, estremecerás, não terás a certeza? E eu, eu talvez não esteja perto, para te abraçar, para te dar a certeza que te foge por entre as noites densas...
Será que eu saberei sempre? Será que todos os dias o saberei? Ou será que cairão em mim as dúvidas de sempre? E nem sempre saberei o caminho da tua voz, nem sempre saberei o caminho dos teus braços, o caminho de casa?

Será que teremos muitos anos? Será que nos muitos anos, teremos tempo para olhar para trás? E ver? E vermo-nos através dos anos, através dos meses e dos dias, através dos amanheceres mágicos, através das noites implodidas pela alucinação dos corpos? Vermo-nos através das palavras, dos dias de sol, dos dias de chuva, das imagens embaciadas nas janelas, dos abraços quentes, das palavras ternas? Vermo-nos como um todo, como um percurso? Como um percurso que não poderia ter sido de outra forma? Como um percurso que nenhum de nós trocaria? Como um percurso nosso? Será que chegaremos a dizer nosso? Será? Será, meu amor, será?

Tudo isto se revolve na minha cabeça, e tu não estás aqui. Tu não estás aqui. Não sei quem és. Mas sei. Sei claramente. Mas não, não estás aqui. Será que escrevo para te chamar? Será que escrevo para que me encontres? Será que escrevo para te encontrar?

Eu penso nestas coisas. Penso nestas coisas que depois serão importantes. Quando estiveres aqui. Saberes, sempre. E quando não souberes, teres-me perto, para que possas saber. Eu penso nisto. Penso.

Mas depois penso que não estás. Ainda. E acrescento o ainda. Muito mais do que uma palavra, uma profissão de fé, ou, mais ainda, um foguete sinalizador do meio da minha vida.
Para que do meio da tua vida me vejas.
Fico parado a olhar para o céu. Todas as noites. À espera do teu foguete sinalizador. Porque não o largas? Ou já o largaste e eu não o vi?
Porque não o escreves? Talvez eu o leia. Eu leio tanto. Eu leio tudo. E se lesse o teu foguete sinalizador, reconhecê-lo-ia. Creio. A não ser que o disfarçasses. Poderias ter medo de me encontrar? Talvez. Poderia eu ter medo de te encontrar? Talvez... Os seres humanos são estranhos. Têm medo de se enganar. E então não fazem nada. Não acertam, mas também não se enganam. O que vai dar em erro na mesma. São estranhos.

Mas isso não me interessa agora. Interessa-me o teu calor. O teu olhar. O teu sorriso. A frescura dos teus lábios. A eternidade da tua pele encostada à minha. Esse calor mútuo. Essa senha dos amantes.
Interessa-me a tua cumplicidade. O teu riso. O teu não riso. O teu lado obscuro. As nuvens que, por vezes, terás nos dias, como todos os dias têm, como todas as pessoas têm. Interessa-me isso. Os teus medos. As tuas inseguranças.

Sinalizar-te, meu amor. Dizer que estou aqui. Que escrevo. Que escrevo muito. Que trago um brilho no olhar. Que trago uma densidade qualquer na voz. Reconhece-me pelas palavras, ou reconhece-me pelo sol que trago dentro dos meus olhos, ou reconhece-me pela densidade da minha voz.
Reconhece-me.
Sinaliza-te, meu amor. Diz-me que estás aí. Não precisas dizer onde. Eu descubro. Eu corro o mundo inteiro e descubro-te. Escreves? Escreves muito? Descubro-te nas palavras? Ou descubro o brilho no teu olhar? Ou reconheço a intensidade da tua voz? Ou o calor da tua pele? Ou o desenho dos teus cabelos contra o ar das tardes e das noites? Ou nada?
Ou vens contra mim um dia qualquer e percebemos que somos nós?

Como, meu amor, como?

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Sunday, July 17, 2005
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Daisy Fields

“Quando cada coisa é vivida até ao fim não há morte e não há remorsos, nem há uma primavera falsa; cada momento vivido abre um horizonte maior e mais amplo, do qual não se pode fugir a não ser vivendo.”

Henry Miller “Primavera Negra”

Em todas as coisas devemos estar nós inteiros, cem por cento de nós, com ânsia de viver, com coragem com lucidez.
Os apelos ao sono são constantes. Os apelas à condução prudente também. E a condução prudente é parar e entrar no grande comboio do mundo, e ver a vida pela janela. O comboio, dizem, é bom. Confortável. E tem muita gente. Se encontramos alguém com quem nos damos bem, simula-se uma história de amor, faz-se um casamento, e tem-se direito ao resto da viagem num wagon familiar. Dizem que são melhores.
Eu não sei. Nunca andei no comboio. Quis andar, há uns anos. Mas suspeitaram de mim. Você tem o olhar muito vivo, disseram-me. Procuraram armas e dinamite nas minhas malas. Só encontravam palavras, flores e imagens, e mais palavras, flores e imagens. E ficaram intrigados. Não percebiam para que queria eu aquilo. Perguntaram-me. Eu respondi que amava estas três coisas, palavras, flores e imagens. Só isso.
Amar? Nós logo vimos que você tinha o olhar muito expressivo. E não me deixaram entrar. Eu era novo e aquilo revoltou-me.

Durante anos segui o comboio e, sempre que podia, entrava clandestinamente, dinamitava alguma coisa com flores, palavras ou imagens, e saía antes que me encontrassem.
Outras vezes, mexia nos carris e, quando o comboio passava, havia sempre alguém lá dentro que levava com uma flor, uma palavra ou uma imagem. Enlouquecia, diziam. Nunca mais conseguia dormir, perturbado pela Beleza. E depois fugia do comboio. Alguns ficavam parados junto à linha até que vinha o tempo e os levava. Morriam, era isso.
Outros andavam e encontravam coisas que os impressionavam. E começavam a amar essas coisas. E criavam. Nunca mais os admitiam no comboio. Mas não era importante. Eram mais felizes assim.

Agora, já não me interessa dinamitar o comboio. Às vezes caminho junto à linha, passo noites nas estações e apeadeiros, a ver quem expulsam do comboio. Pessoas lindas que amam coisas.
Não quero saber do comboio. Já não quero. Quero saber dos que amam coisas e viajam por si. Acreditam em horizontes maiores e mais amplos. Eu também. E sabem que a única forma de fugir é vivendo sempre mais. Eu também sei isto.
Tenho amigos dentro do comboio. Já amei mulheres que vivem dentro do comboio. Os que mandam no comboio não gostam destes afectos cruzados. Mas são afectos bonitos. E enormes. Alguns durarão sempre, mesmo que eu nunca mais me cruze com o comboio.

Noutro dia quiseram que eu entrasse no comboio. Mas tinha que deixar as palavras, as flores e as imagens ao cuidado dos senhores do comboio. E eles, nos tempos de descanso, davam-me algumas palavras, imagens e flores para eu criar coisas. Recusei, claro. Já sei que iam escolher bem as coisas que me iam dar. Eu sei que há algumas pessoas no comboio que criam nessas condições. E são muito bem vistas lá dentro. Chamam-lhes artistas, génios, têm um campo lexical muito abrangente para eles.
Mas eu não acredito no que eles criam. E não acredito porque não acredito que se possa criar sem horizontes amplos. Ninguém pode criar numa sala de criadores de um comboio. Poder pode, só que cria coisas de criador de comboio.
E eu não gosto disso. Gosto mais de amor. De amor intenso. Por tudo. Palavras, flores, imagens, pessoas, tudo.

Disseram-me que eu ainda ia morrer sozinho, junto à linha, enredado em palavras, flores e imagens. Não acredito nisso. Caminho muito. Vejo muitas pessoas enredadas em coisas que amam. Algumas fora do comboio. Outras, prestes a saltarem ou a serem expulsas.
Dizem até que vão criar um comboio novo para essas pessoas. Mas eu não quero. Não gosto destes comboios. Há sempre o princípio de ver a vida pela janela e representar, do lado de dentro, o que se vai vendo lá fora. É mais seguro, é. Mas não é verdadeiro, visceral.

Eu caminho muito. E um dia vou encontrar-te. Enredada em coisas como água, estrelas, palavras e cores. E vou amar a forma como amas essas coisas. Se estiveres dentro do comboio, juro que te tiro de lá. E depois, vou-te mostrar as minhas coisas. E também vais amar a forma como eu amo as palavras, as flores e as imagens.

E vamos criar muitas coisas. E amar muitas coisas. Em campos de girassóis.
E vão haver crianças nossas que vão saber o alfabeto da água, das estrelas, das flores, das imagens e das cores.

E todas as noites dormiremos em campos de margaridas. E todas as noites nos vamos amar entre o branco das margaridas.

O comboio nunca passa perto nem dos campos de margaridas, nem dos campos de girassóis.

E eu sei onde eles ficam.
E um dia nós vamos viver para lá.

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“Night Line - Adágio”

Cigarros. Água. Música. As luzes da cidade lá fora. A noite.
E eu, aqui. Em frente à janela, imerso no tabaco e na água e na música, e na cidade. Sinto a cidade profundamente triste hoje. Talvez seja só eu...

Não interessa. Interessa este momento. Este momento em que todas as coisas se conjugam. Este momento em que a madrugada me abraça. Este momento em que a madrugada me segreda os dias que virão. Este momento em que a madrugada me promete que existirão outras madrugadas, com cigarros, água, música, luzes da cidade lá fora, noite em toda a parte. E existirás tu. As nossas conversas. Os nossos olhares sobre tudo isto.

Sejas quem fores. A madrugada diz-me que, neste momento, caminhamos já um para o outro. Desde sempre. A madrugada diz-me que o fizemos toda a vida. E que tudo o que nuca compreendemos, só o poderemos compreender no dia em que nos encontrarmos.

Escrevo-te porque tenho saudades de ti. Escrevo-te porque nunca te vi, e são quatro horas da manhã, e no meio da música e da noite, sinto saudades tuas. Do teu amor. Do teu olhar. Do teu sorriso. Do teu calor. De tudo o que reconhecerei no primeiro instante em que me cruzar contigo. De tudo o que conhecerei nos outros dias todos, nos dias em que formos as coisas mais luminosas na vida um do outro...

E penso, com emoção, que neste momento está algures, perto ou longe, se calhar dormes, se calhar estás afogada numa madrugada de música e de cigarros e de uma estranha premência, como esta que me assalta a mim. E penso que talvez também penses em mim. E não podemos, nem eu nem tu, saber que, neste preciso momento, pensamos um no outro. Que neste preciso momento, as nossas almas se encontram já, enquanto os nossos corpos prosseguem o seu caminho através dos dias todos. Dos dias todos que nos levarão um até ao outro.
Dos dias todos que as nossas almas, separadamente, hoje sonham. Um mesmo sonho.
Ainda não estás aqui. Ainda não estou aí.
E, no entanto, já sonhamos juntos...

Há esta certeza, meu amor. Há esta certeza. Os dias aproximam-nos. Desde sempre. Estarás longe? Estarás perto?
Estás no meu caminho. E eu estou no teu.
Mas eu ainda não estou aí. Tu ainda não estás aqui.
E, no entanto, estamos já no nosso caminho...

Posso dizer que te amo.

Quando te vir, provavelmente, demorarei mais tempo a dizer-to. Porque as pessoas e isto e aquilo e amar é muito especial, tu sabes...

Mas agora falo para ti. Nesta noite. Afogado em cigarros, água, submerso num adágio dentro do meu coração.
E apenas me ocorre dizer que sinto saudades tuas.
Que te espero todos os dias.

Que te amo.

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Saturday, July 16, 2005
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"Homesick..."

Em frente a mim tenho as nuvens. Na janela. No final da tarde. Não posso esquecer isso.
É que vou deambular, já sei. Como sei sempre que me sento aqui. Como sei sempre que as palavras, aos poucos, encontram o seu caminho desde o meu coração, pelos meus neurotransmissores, até ao meu cérebro e, daí, em impulsos, para os meus dedos. E dos meus dedos, para o mundo.
E deambulo nas palavras. Sempre. E amo deambular neste espaço.
Vou ter contigo. Para te dizer que não te reconheço. Para te dizer que já não sei quem és.
Lembro-te, no entanto, que sei quem foste, que sei quem eras, que sei quem eu fui, que sei o que nós fomos. Mas agora, és diferente. E eu, eu já não te conheço. Os dias lembram-me que todas as coisas na vida são parte de um percurso. Regresso ao meu. Regresso. É o que sinto. Desculpa. De resto, não sinto mais nada. Não posso sentir. Porque não te conheço. Já não te conheço. Desculpa.
O que fica é esta sensação no estômago. Este vazio. Porque agora não há nada. Há um vácuo. E eu não sei ser assim. Sempre me conheci na voragem dos dias loucos, sempre me conheci com coisas fulminantes dentro de mim. É fim de semana. E é mesmo. É domingo dentro de mim. Está tudo fechado. Tudo. Passeio pelas ruas e vejo imagens. Imagens que foram ficando, nos anos. É daqui que me vem a noção de percurso, de continuidade. É daqui que me vem o sol que agora rasga as nuvens e me entra pela janela dentro.
Como se me quisesse assegurar que este é o meu caminho. Não estou perdido. Não estou fora de rota. Estou no meu caminho. Se vejo o passado, verei também o futuro. E o futuro terá algo de sol. Todas as coisas que valem a pena na vida, têm algo de sol dentro delas.
Eu amo o sol. É o meu astro. E é mesmo. Amo-o. A força que ele me dá. A luz.

Tu estás aí. E não sei o que estás a fazer. E não quero saber. Acho que não. Só quereria se tu quisesses que eu soubesse. Assim, não quero saber. Porque não entendo. E porque há algo em mim que, desta vez, me faz sentir, dentro, que não quero entender. Que não quero entender o que te recusas a explicar. Que não quero entender, precisamente, porque te recusas a explicar. E eu não entendo isso. Nem quero. Não creio que me tornasse uma melhor pessoa se compreendesse. Não creio. É por isso, por aquilo que fazes, que o que faz de mim melhor pessoa, ou pior pessoa, ou uma pessoa maravilhosa, ou uma pessoa abominável, ou seja, o que faz de mim pessoa (sem adjectivo à frente), cada vez menos passa por ti. Não sei se ainda passa. Arrisco escrevê-lo, porque ainda estou a escrever para ti. Mas talvez nem isso se prolongue muito no tempo. Eu passo cada vez menos por ti. E tu tens culpa nisso. E eu também. Mas eu tentei alterar os dias. Tu não.
Há três meses, tudo em mim passava por ti. Tudo em ti passava por mim.
Hoje nada em mim passa por ti. Nada em ti passa por mim.
É inegável que, nisto, ninguém ganha nada. Ambos perdemos. Na minha opinião muito. A tua não sei.
Nem importa agora. O que importa são as nuvens, as que eu não posso esquecer no final de tarde. O que importa é o Sol que as rasga para me dar calor. O que importa são os pássaros que voam no céu desta cidade que entardece. O que importa é a música que vai cadenciando os meus sentimentos, dando o tempo às minhas palavras. O que importa, são as coisas bonitas. E as coisas presentes, ainda que só na memória.
Não duvido que continues a ser uma coisa bonita. Mas se existes na minha memória, foi porque fiz tudo para te ter aqui, tudo. Tudo mesmo. E sei que tu não deste um passo sequer para permaneceres, pelo menos, na minha memória. E eu na tua. E isso eu não compreendo. E não quero compreender.

Quero entender o final de tarde, a luz, o sol, a música, os sorrisos que vejo todos os dias, esta sensação de caminhar, esta sensação de purificação que, dia após dia, cresce dentro de mim. É isto que eu quero entender. É isto que eu preciso de entender.
Porque isto é o meu caminho. E o meu caminho tem luz. E tem estrelas.
E eu não posso adormecer. Não posso parar. Não me posso hipnotizar. Contar-me histórias. E permanecer. Entende que não gosto da solidão. Ninguém gosta. Não é uma coisa invulgar.
Entende que preciso das estrelas. E do Sol. E das nuvens. E da música. E do caminho.
Faz-se tarde, sabes? No fundo, faz-se tarde. E eu, eu olho para todos os lados, olho para mim, olho para os meus 30 anos, olho para tantas coisas no passado e compreendo que quero chegar a casa.
Preciso chegar a casa.

É isso. Nada mais. Tenho, por fim, que chegar a casa.

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Friday, July 15, 2005
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“Poema concêntrico que visa demonstrar amor”

Estás onde?
Com quem?
A fazer o quê?
As três perguntas tipo da possessividade.
Não tens nada a ver com isso
E com isso ainda menos
O que me apetece
As três respostas tipo do conflito
Estás onde?
Com quem?
A fazer o quê?
As três perguntas tipo da possessividade
Em casa
Com a tua mãe
A acabar o jantar. Não demores.
As três respostas tipo da normalidade.
Estas onde?
Com quem?
A fazer o quê?
As três perguntas tipo da possessividade
Dentro do teu coração
Com muitas coisas lindas que tens dentro de ti
A tentar, o melhor que posso, fazer de ti a pessoa mais feliz do mundo
As três respostas tipo dos dias azuis
Estás onde?
Com quem?
A fazer o que?
As três perguntas tipo da possessividade
No meio da vida, creio
Com pessoas maravilhosas
A tentar dar-lhes todo o meu amor
As três respostas tipo da existência do Ricardo
Estás onde?
Com quem?
A fazer o quê?
As três perguntas tipo da possessividade
Em casa.
Sem ninguém.
A escrever uma coisa concêntrica
As três respostas tipo da realidade.

O redactor nota que a primeira situação é, claramente, uma situação típica de um casal que atravessa um momento menos bom. Nota também a presença de um casal normal. Nota, por outro lado, a condição do sujeito, de seu nome Ricardo, descrita nas últimas seis respostas.
O redactor não considera a possessividade uma coisa boa.

Eu também não. Mas sou uma pessoa possessiva.

Já o redactor não é, sequer, uma pessoa interessante.

E ocorre-me que te amo profundamente.
E ocorre ao redactor explicar-te que o sujeito, de seu nome Ricardo, não considera “profundamente” um adjectivo da família dos que se utilizam quando se pretende exagerar algo ou então expressar um sentimento ficando com a sensação de ter ficado aquém, como tantas vezes acontece com as palavras.

Pois. Profundamente para mim significa profundo. De dentro.

E ocorre ao redactor que eu que te amo dentro de mim. A uma grande profundidade do meu ser.

E ocorre-me
Onde estás?
Com quem?
A fazer o quê?

As três perguntas tipo da falta que me fazes.
Neste caso, o redactor não pode apresentar respostas tipo.

Lamentamos o facto.

Profundamente.
Eu e o redactor

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"ANA"

Hoje apetece-me escrever para ti, Ana ( para quem não sabe, a mãe do meu anjo Duarte).

Conheço-te há cerca de seis anos. E quando nos conhecemos, por motivos diferentes, parecíamos dois bichos do mato... Lembro-me que às vezes te costumava perguntar “Que estranho deus uniria duas almas errantes?” e essa pergunta fazia todo o sentido para mim. Para ti nem por isso. Eras mais prática. Em tudo. Ficavas a olhar para mim, como se eu estivesse apanhado por alguma coisa. Mas eu sentia o teu carinho, mesmo quando sentias que eu não devia bater muito bem. E esse carinho era a minha casa. Era o espaço onde eu me sentia protegido de tudo.

Um dia decidimos ter um filho, assim, sem mais, como só os loucos e os apaixonados fazem. Apesar de tudo, sei que não houve um dia em que nos tivéssemos arrependido dessa decisão.

Tu não compreendias os meus devaneios, o escrever, a música, o sugar o tutano da vida. Não os compreendias porque, e tinhas razão, sabias que tínhamos que ser pragmáticos. Reais. Não podíamos viver de poesia e de todas essas coisas lindas. Eu acreditava que sim. E ainda hoje acredito. Mas hoje percebo aquilo que na altura não percebi e que tu não me soubeste explicar: primeiro resolvem-se as questões essenciais, concretas, depois vira-se o mundo ao contrário, pinta-se azul em todo o lado. Numa frase: a felicidade constrói-se. Não cai do céu. Quantas vezes me terás visto a olhar para o céu. E, apesar de tudo, olhavas-me sempre com carinho. Mesmo quanto de te passavas e eras bruta. Mas havia sempre algo de ternura na forma como olhavas para mim. E na forma como eu olhava para ti, mesmo não compreendendo as tuas obsessões, mesmo não compreendendo que não ficasses pasmada com palavras lindas que eu ia descobrindo aqui e ali.

Os nossos mundos eram diferentes. Mas tocaram-se. E tocaram-se, precisamente, num momento de errância. E nasceu um amor. E ternura. E carinho.

Hoje já passaram quase 4 anos desde que nos separamos. É evidente que estamos melhor assim. Tu tens a tua família, e sinto que tens o que durante tanto tempo procuraste. E que eu, por causa da idade e da forma como era (e muitas vezes ainda sou) nunca te pude dar.
Tu olhas para mim e sabes, no fundo sabes, que eu me dirijo para um lugar especial. Que também eu caminho para algo que procuro há anos. Há muitos anos. E que não conseguimos encontrar um no outro.

A ligação essa, nunca se quebrou. Por isso hoje posso dizer que és a minha melhor amiga. Que és a pessoa em quem mais confio e uma das pessoas que, sei-o, estaria ao meu lado, em qualquer situação, até ao fim. E vice-versa. Isso, para mim, tem um valor incalculável. Isso chama-se Amizade. Lealdade.

Ao fim destes anos, o que o amor deixou, foi isto: um filho lindo, e um carinho e uma ternura imensas.

És daquelas pessoas que realmente fazem a diferença na minha vida.

Adoro-te, Ana. Abençoado o dia em que a minha vida se cruzou com a tua. Porque agora, não mais as nossas vidas se separarão.

Como te disse: esta AMIZADE É PARA SEMPRE. E tu sabes como eu acredito nas coisas que são para SEMPRE.

Um beijo cheio de carinho,

Ricardo.

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Thursday, July 14, 2005
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"Way out"

You build all these walls around you. You keep yourself locked in. Each time I take a stone off, you place one hundred in... How will i save you? How will I save myself? I must blow those walls away... Blow them away... But you're locked inside... What happens when the explosion hits you?

You remember these words "love never dies",

and you walk out,

in to my arms

in to my arms again, and again...

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Wednesday, July 13, 2005
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Adoro isto... Diz tudo...

"O meu amor tem lábios de silêncio
e mãos de bailarina
e voa como o vento
e abraça-me onde a solidão termina

O meu amor tem trinta mil cavalos
a galopar no peito
e um sorriso só dela
que nasce quando a seu lado eu me deito

O meu amor ensinou-me a chegar
sedento de ternura
sarou as minhas feridas
e pôs-me a salvo, para além da loucura

O meu ensinou-me a partir
nalguma noite triste
mas antes ensinou-me
a não esquecer que o Meu Amor existe"

Jorge Palma

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“Manual de Pornografia – III “

Existem dias em que corro, em que percorro todos os caminhos da casa, e da rua, e do mundo, e da vida, e não escapo à tua imagem branca, à tua imagem de estrelas, ao teu olhar que carrego no meu próprio olhar.
É como se estivesse constantemente a ver-te através de mim. Os teus movimentos. A tua geometria. A tua errância de encontro à minha comburência. A tua concentração intensa de encontro à minha dispersão fundamental.

Falam dos opostos. Da atracção dos opostos. E existem dias em que sinto que em lugar algum do mundo conseguirei escapar a essa carga que se nunca se neutraliza. Somos uma ionização permanente, e é nos meus olhos e na minha pele que os electrões perdem o norte e batem contra as paredes do meu ser, como se eu lhes pudesse conceder a liberdade uma neutralização.

Explico-lhes que não existem neutralizações nem contigo. Explico-lhes que subvertes a matemática e a física e que só não subvertes o mundo inteiro porque eu te roubo ao mundo inteiro e te trago, como um louco, repetindo-te dentro da minha cabeça. Repetindo as tuas modulações. Repetindo as frases entrecortadas. Repetindo o que quase dizes quando o amor entra por ti dentro, e perdes o fôlego, e quase não falas, e dizes só o essencial e o essencial está sempre nos olhos.
Amo os momentos em que não tens palavras. Amo os momentos em que estas te saem a custo. E eu faço que não as ouço. Para que as repitas. E para que nessa repetição te deixes levar no encantamento em que te induzo.

Olhas-me, como se fosses cair, como se estivesses perto do abismo onde os corpos escrevem a última pornografia, e eu digo-te que não entendo o teu olhar, que quero que me fales. E quase não falas. E tentas. E eu insisto para que fales. E ouço-te. E digo-te que não te ouço. Para que caias na hipnose nos meus dedos no teu corpo, dos meus lábios na tua pele, da minha respiração dentro de ti, das minhas palavras circulares, também elas circulares...

Rodeamos o abismo. Com a alegria do fogo. Com o movimento circular dos corpos a que chamamos galáxias, ou estrelas, ou planetas, ou qualquer coisa enorme, gigantesca, que descreva uma rota circular e elíptica nas fronteiras dos abismos. E são abismos. Vários. Os que crescem dentro de nós e nos indicam o caminho da queda, os que assaltam o quarto e anunciam o fim do mundo, os que se dedicam à pilhagem dos olhares ávidos, enviados pela memória.

Somos uma elipse fundamental.

E eu trago-te pelo mundo todo. Nos meus olhos. Em cada uma das minhas terminações nervosas. Subscrevo-te a símbolos porque não cabes em mim. És imensa. Subscrevo-te a símbolos porque o mundo não foi feito para a Beleza. Já to disse tantas vezes. O mundo dos dias todos. Esse. Não suporta a Beleza. Não sabe o que é. E teme-a e eu não posso fugir para o outro mundo. Porque me parariam em qualquer posto fronteiriço, e descobririam que contrabandeio Beleza.

E mais, descobririam que te contrabandeio a ti, à compressão da tua pele, ao estertor bêbedo das tuas pernas, à explosão do teu olhar, à queda premente das tuas palavras. Por isso te trago neste mundo. Entre noites que durmo, mal dormidas. Entre dias que passo, frenético. Entre manuais de pornografia, que pretendem dizer isso mesmo: a presença constante das coisa brancas em mim. A presença latente do mundo branco em mim.

Sabes que me matavam se soubessem que albergo um felino branco na memória?
Sabes que me matavam se soubessem que crio coisas como o mundo virado ao contrário quando a minha boca irrompe no meio das tuas pernas abertas?

Sabes que não me importo? Sabes que só me importa esta premência? Este sempre. Este sempre que se mistura com este nunca. Este nunca que termina em sempre e este sempre que termina em nunca. Só isso. A impossibilidade de cair no desejo e ficar lá. E não sair mais. Nunca mais.

Não ter que andar pelo mundo carregado com todas estas coisas. Branco, pele, sudação, electrões enlouquecidos, neurotransmissores criativos, mecanismos de armazenamento de memória a abarrotarem de imagens brancas, e de imagens azuis, e de mais e mais imagens que todos os dias crio, ou me assaltam, já nem sei. Nem sei.

Queria cair aí. E libertar isto tudo. E deixar que o mundo enlouquecesse. O mundo enlouquece à custa de tanta coisa. Gostava de o ver enlouquecer à força da paixão, do amor, da pornografia, do erotismo, das cores azuis, das cores brancas, de felinos errantes, de ionizações eternas. Gostava de o ver enlouquecer à força da loucura. Desta loucura que trago dentro de mim.

E rasgar o manual. E chamar pornografia a todas as flores do mundo.

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