Locais...
Para Dar Uso, SFF!
Correspondência Interna
Monday, August 29, 2005
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"Night Line – Porto e tu..."

Fotografia por Ireland Hoang

É a ternura da cidade. O abraço, o carinho, a palavra que a cidade me dá. Não poderia ter nascido em qualquer outro lugar. Porque nenhuma outra cidade me compreenderia como esta, a minha. As suas pedras molhadas, os seus dias de chuva, o seu clima incerto.
Trago-te para minha cidade. Já te disse que ando contigo em todos os pontos da cidade. De dia, de noite. És uma luz imensa no meu peito. E a cidade reconhece-te. A cidade reconhece o brilho do meu olhar. E sabe que o brilho do meu olhar nasce nas flores que trago nas artérias, nasce nos lábios que deixas nas minhas veias, nasce no toque das tuas mãos que trago tatuado algures entre a minha pele e a minha alma.
Partilho o meu amor com a cidade. Com o seu néon imperturbável. Por detrás de toda a podridão que abriga, a cidade é pura e por isso, entende a pureza dos meus passos, e entende a pureza do que trago no peito.

Amo a cidade. Amo-a mais de noite. Deambulo e o que vejo são as faces ocultas do mundo harmonioso. Chulos, putas, travestis, ladrões, raptores, homicidas, uma fauna imensa que ocupa, estrategicamente todos os locais da cidade. E eu ando no meio disto tudo, com esta pureza fundamental nos lábios. Só eu e a cidade sabemos.

Amo a cidade, de dia. Deambulo e o que vejo são as faces visíveis do mundo harmonioso. Os cidadãos. Todos. Respeitáveis. E penso que violências esconderão nas suas caras sãs. Ninguém é são. E há algo de temível numa face que se esforça por desenhar uma sanidade vulgar, equilibrada. Amo mais as putas e os chulos. E também estes, com quem eu me cruzo de dia, são putas e chulos, travestis no quarto da amante, ladrões sem coragem para empunhar uma arma, raptores com medo da polícia, homicidas que não matam, simplesmente, porque têm medo da prisão. E, portanto, o que vejo, é o mesmo mundo, de noite e de dia. Com ou sem capa de normalidade.

Mas não é tudo o que vejo. Vejo as crianças. Vejo as mães que trazem as crianças pelo braço e que lhes dão um amor que nunca essas crianças esquecerão. Ouço as crianças sorrirem. Ouço as suas brincadeiras. Vejo o pai que está no supermercado, atento, entusiasmado pelas compras que faz para a sua família.
Vejo coisas bonitas. Nem tudo no mundo é violência. Há Beleza. Há Amor.

E a cidade entende tudo o que eu vejo. A cidade sabe que não sou louco. Beija-me a lucidez. E o sonho.

Tu, trago-te pelo meio disto tudo e tu és uma explosão de cores na minha vida e nos meus dias.

Eles olham para mim, e não sei que vêm. Que poderão ver? Mais um? Mas a cidade sabe.

A cidade sabe este amor. E estas luzes. A todas as horas. E por isso, a esta hora lhe escrevo. Para lhe dizer que a amo. Que sou filho dela e que sempre o serei. E que nenhuma outra cidade poderia ser a minha. Sou teu. Porque me seguras os passos. Porque me amas. Porque me dás luz e serenidade.

Porque amas o meu amor. Este que trago no peito, num sorriso, numa ternura, em todos os dias da minha vida. Em cada passo no meio de ti.


Porto, 30 de agosto de 2005. 1:59

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Friday, August 26, 2005
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“O sorriso de Ariadne”

Fotografia por Dirck DuFlon

Há uma lógica de labirinto. Como se Ariadne e Teseu se amassem perante o olhar cego do animal mitológico que não os vê, nem ouve, porque as suas percepções são condicionadas pelo rumo da História.

E Teseu e Ariadne estão fora da História. Num labirinto que deuses criaram, talvez perto de Creta, talvez perto de Atenas, talvez em lugar algum. Talvez, apenas e só, no ponto do espaço em que os nossos olhares se enlaçam.

Seguro o novelo nos dedos. Para que saibamos o caminho de volta. Tu olhas-me, a cada momento, e hesitas entre os meus dedos e o fio que seguro. Eu prometo-te que saberei sair daqui. Prometo-te que a minha cartografia me orientará, mesmo que o novelo se parta. E tu sabes que minto, porque sabes que a minha cartografia é a tua alma.

Então seguras o novelo nos teus dedos. E dizes que andarás para fora do labirinto. Sigo-te. Seguir-te-ei a vida toda, aqui dentro ou lá fora, perto ou longe.

Voltas-te para mim, e esqueces a saída por instantes, Falo-te de um mito. De um novo mito de Teseu e Ariadne. E perguntas então para onde te levo. E insistes que não existe local algum para nós. Argumento com a minha orientação, mas tu sabes que o meu norte magnético é o teu olhar.

Sorris Ariadne, e poderia esquecer a lenda e criar uma nova, com o teu sorriso. Uma lenda nova. Daqui a milhares de anos, ninguém falaria do labirinto de Creta e do Minotauro. Falariam do sorriso de Ariadne. De um labirinto de ternura.

Sorris Ariadne. E eu olho o novelo nas minhas mãos e compreendo-lhe a inutilidade. Não há saída do labirinto do teu sorriso. Não tens fim, Ariadne.

Talvez um dia estejas em Atenas. Talvez um dia eu esteja numa outra Atenas.
Mas estarei sempre dentro do teu labirinto e tu estarás sempre dentro do meu.
Viverás por dentro de mim, da mesma forma que eu viverei por dentro de ti.

Porque há um espaço só nosso. Mágico? Etéreo? Irreal? Impossível?
Não sei. Não é a vida. Não é um romance. Nem sequer é um poema o que escrevemos.

Sorrimos Ariadne, e a lenda dos amantes que criaram um labirinto no olhar um do outro, é já falada pelas vozes daqueles que, num milénio futuro, persistem no sonho, na Beleza, e nas estruturas labirínticas do Amor...

Não sei, Ariadne, se a eternidade existe.

Mas sei que tu não tens fim.

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Thursday, August 25, 2005
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Homenagem

(Virginia Woolf's suicide note to her husband Leonard)

To: Leonard Woolf Tuesday (18? March 1941)

'Dearest, I feel certain I am going mad again. I feel we can't go through another of those terrible times. And I shan't recover this time. I begin to hear voices, and I can't concentrate. So I am doing what seems the best thing to do. You have given me the greatest possible happiness. You have been in every way all that anyone could be. I don't think two people could have been happier till this terrible disease came. I can't fight any longer. I know that I am spoiling your life, that without me you could work. And you will I know. You see I can't even write this properly. I can't read. What I want to say is I owe all the happiness of my life to you. You have been entirely patient with me and incredibly good. I want to say that - everybody knows it. If anybody could have saved me it would have been you. Everything has gone from me but the certainty of your goodness. I can't go on spoiling your life any longer.I don't think two people could have been happier than we have been.
V.'



“Dear Leonard, to look life in the face … always to look life in the face, and to know it for what it is. At last, to know it, to love it for what it is, and then … to put it away. Leonard … always the years between us, always the years … always … the love … always … the hours.”

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“Manual de Pornografia X – o amor”

Fotografia por Toshi

ela diz

sabes, o que eu mais gostava era quando estavas em cima de mim,


bem próximos, e me olhavas e eu olhava para ti
nos olhos

acontecia tudo nos olhos

e ele diz
sei, eu amava quando te amava assim


acontecia tudo nos olhos

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Liquid III"
Fotografia de Arnoldas Jurgaitis

A estrutura do olhar
A consistência líquida das palavras,
O incêndio de sonhos que sinaliza o caminho
Por entre as noites.

A água que se torna pura na proximidade azul,
O ar que se condensa numa explosão de cantáridas e de sonho ou de demência.

Uma enorme disparidade entre todas as coisas.

E uma persistência na matéria, no sonho,

Eis o amor que dança, no ar e nas palavras, nas madrugadas que terminam
Na proximidade de ti.

E estes passos sempre próximos. Nas noites. Nos dias.
E no longo passar dos anos e da vida.

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Wednesday, August 24, 2005
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Fotografia de Mert Huseyinoglu
São os olhos. Claro que são os olhos. Claro que tudo começou nos olhos.
Há meses. Foi há meses. Curioso. Estavas aqui, no mesmo espaço em que escrevo, e na altura, não poderia imaginar que te escreveria passado todo este tempo. Quem serias? Eras um sorriso, isso eras. Um sorriso, uma construção de ternura que me abalava, que me tirava a respiração. Ainda hoje és. Ainda hoje o teu sorriso, essa dose impossível de ternura, me abala, me prende a respiração, me coloca um nó pesado em cima do peito. Sufoco quase. Na tua ternura.
Quem serias? Quanto tempo ficarias? Houve uma altura na minha vida em que julgava ter a resposta para estas perguntas. Contigo foi diferente. Contigo, dei por mim a fazer outras perguntas. Quando voltarias? Quando estarias perto outra vez? Não sei se combati isso dentro de mim. Mas sei que de cada vez que sorrias, eu só queria mergulhar nos teus olhos e saber o que é o abraço da ternura. E esquecer todas as perguntas.
Ainda hoje é assim. Tenho-te ao meu lado. A vida toda. E não sei para onde a vida te levará nem para onde me levará a mim. Mas sei que te terei ao meu lado em toda a vida. E sei, sei que quando te vir sorrir, de todas as vezes, me abalarás, de todas as vezes tornarás pesada a minha respiração. És linda.
E isto não é um poema. Podia ser uma carta. Mas também não é.

É uma coisa. De mim para ti.

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"Manual de Pornografia IX - a alma"

Fotografia de Robert Kocs

O movimento nasce na alma. E a alma, atenta, ensina ao corpo os caminhos que este toma por intuitivos.
A alma ensina-me o caminho das tuas pernas. A alma ensina-te o movimento sagrado.
É a alma que te explica o ângulo de oitenta graus que será a minha porta para dentro de ti, do teu mundo, do mundo secretamente governado por uma deusa que se abandona ao amor e ao sexo.

Se olhares os corpos, se olhares os corpos na voragem e na vertigem, verás o quanto procuram a alma.
Na pele.
No meio das tuas pernas.
Nas costas.
No olhar.

E a alma fixa-se no olhar. As almas fodem-se no olhar. Dizem tudo. Dizem tanto.

O que dizem não pode ser escrito. O que dizem é das almas e da linguagem das almas, e das verdades fundamentais que só as almas sabem.

As almas fazem os corpos transbordar de sensações e de desejos. E os corpos, então, tornam-se divinos.

São deuses que se amam, em camas, no chão, no céu, no mar, em palavras, na memória.

Enlouquecem os corpos. Combatem. Empurram-se. Enfeitiçam-se. Estão imbuídos de todas as coisas sagradas.

E as almas nunca se perdem. Nunca.

Fodem-se no olhar. Vêm-se no olhar.

Gritam todas palavras

puta, amo-te, em mim, olha-me,
e tudo isto, tudo isto é sagrado e tudo isto é amor, flores e pornografia.

E há um momento em que existe uma alma apenas.

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"Night Line - *"

Fotografia por lavendu

Mexe com ele. Claro. Porque ele a ama. E por isso mexe com ele. Faz-se de forte muitas vezes. Verdade. Muitas vezes parece possuído de uma qualquer força imensa. Mas não é bem assim. Quando se trata dela, não é assim de todo. É porque a ama, costuma dizer. E é. Seguramente.
Vive um amor inseguro. Perfeitamente inseguro. Mas vive esse amor. Porque o quer viver. Não é inconsciente. Não é optimista. É lúcido. E teme a dor, como todos tememos a dor, mas no seu código afectivo o amor e a partilha valem mais do que a dor. Muito mais. No fundo, ama-a porque é fiel a si próprio e porque o amor deles... isso... E ela, ela ama-o porque o amor deles.... isso...
Como vai acabar? Ele promete que, da parte dele, se comportará como um adulto. É algo que jurou às palavras. Um adulto pode escrever sobre o amor. Uma criança chora por não o ter. E ele quer ser adulto. Nisso quer ser adulto. E ela. Ela é frágil. Ela é pequena. Ela terá medo? Não sei. Talvez tenha. E não falo de medo dele. Falo de medo da dor, de se magoar. Solidão. Ela é pequena e ele protegê-la-á. Sempre. Ela diz que assim ele poderá deixar passar mulheres interessantes. Ele olha-a nos olhos e sorri. E sente uma vontade enorme de a abraçar. De lhe repetir que a protegerá, dele, dela, do mundo.

É um texto isto. E há tanto amor aqui.

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Tuesday, August 23, 2005
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"Manual de Pornografia VIII – a flor"
Fotografia por Bjorn Beheydt

Às vezes, às vezes enquanto te fodo, seguro uma flor no espírito. Às vezes, às vezes enquanto me fodes, seguras uma flor nos olhos. Às vezes, às vezes nos orgasmos existem flores que caem e que são agarradas por outras flores, que caem elas também, numa vertigem nossa, de pornografia e de flores.

Às vezes, às vezes enquanto te debates debaixo de mim, existem pétalas em todos os locais.

Às vezes, às vezes quando estás em cima de mim, vejo pétalas na aura da tua fisionomia felina, de fêmea.

Às vezes, acho que tudo isto acaba nas flores. Às vezes, acho que tudo isto recomeça nas flores.

Sei que existe um momento em que eu e tu somos uma mesma flor.

É isso que traz o teu olhar dentro de mim na vertigem dos dias todos.
É assim que te saberei sempre.

Metade da flor que agora escreve para ti.

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Monday, August 22, 2005
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"Night Line - para todas as sementes..."

Da Weasel - "Joaninha (Bem vinda!)"

13 de Novembro, 4 da tarde, faz frio lá fora
o ano é 2002 e acho que já te disse a hora
o lugar é Lisboa ao pé do parque das nações
o mundo é teu, já te explico as razões e senões
deste lugar onde vieste parar sem saber como
sê bem-vinda ao jardim, eu serei o teu mordomo
eu sou o gajo do chapéu azul-bébé como tu
no meio da confusão que luta pelo teu olhar nu
não nos leves a mal mas deixaste-nos perplexos
tens vinte minutos de vida e fazes estragos complexos
com essa língua de fora e os olhitos bem rasgados
hás-de dar dor de cabeça até aos mais preparados
como o teu pai que tá histérico, vestido como um doutor
esse a quem agora tiraste toda e qualquer dor
há de stressar contigo vezes sem conta, acredita
o amor é um gajo estranho, às vezes até irrita
por isso vai-te habituando a ter muita paciência
somos todos complicados e é preciso ter experiência
para atinar neste planeta a quem chamaram Terra
sem darmos bem por isso vem aí mais uma guerra
Vivemos na tuga, um país que até é bem tranqüilo
Se me dessem a escolher não dava um vacilo
Não é perfeito nem nada que se pareça
Ainda depende de nós para que muito aconteça
Acaba por ser porreiro porque te dá motivação
Não temos nada garantido na palma da mão
Há mesmo sítios onde a esperança quase já não existe
O que vale é que há sempre alguém que resiste
E insiste em fazer a diferença para melhor
Dá tudo por tudo com muito sangue, suor
Com tanta pressa que tiveste para cá chegar
Só posso acreditar que tenhas muito para nos dar
Pareces-me rebelde e é mesmo isso que se quer
És joaninha de nome mas já vejo uma mulher
Venha o que vier o amor é incondicional
Podes contar comigo quando tudo te parecer mal
É natural, quer dizer que não andas a dormir
E não há nada pior nesta vida do que não sentir
Queria dizer-te tanta coisa, mas ainda nem me vês
E o tempo há-de trazer todos os teus porquês
Há bocado fiz umas contas e senti-me mal
Quando tiveres dezoito eu vou ter quarenta e tal
Tenho medo de não perceber o teu mundo nessa altura
Mas acredita, o feeling que sinto não é sol de pouca dura
E por muito cota e datado que te possa parecer
Fui e sou mais janado do que gostava de ser
Por isso tá à vontade, manda vir que eu aguento
No mínimo posso tar é se calhar um pouco lento
Para a menina Joana
Para o Alex
Para o outro Alex
Para oTiago
Para todas as sementes

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“Night Line – Tu”

Quero escrever-te uma crónica urbana.
Um guia de uma cidade. De luzes. Néon e lua. A cor dos edifícios. E as palavras no espaço entre tudo isto.
Amo-te? Claro. Não é disso que se trata. Não se trata bem do amor. Nem da vontade de te deitar e de mergulhar na tua pele. É mais do que isso. Se bem que eu não acredito que coisa alguma, na vida, possa ser mais do que isso. Mas é. É uma espécie de luz. Uma aura, sabes? Uma aura que pressinto na envolvência das tuas palavras, do teu olhar. O que quero é escrever uma crónica urbana. O que quero escrever é a crónica de uma noite na tua cidade. Não creio que o consiga fazer. Vejo demasiadas luzes. Amanhece demasiadamente depressa. E não sei, existe isto de a noite parecer uma viagem, uma grande viagem de cores, de flores, de palavras como as que repito sempre, pornografia e água. E ternura.
Um dia vou-te escrever uma crónica urbana. Um dia, vou-me deter no alcatrão, nos passeios, nas luzes de néon e de lua. Um dia, vou-te escrever a tua cidade. E vou-te escrever a forma como ela me abraça de todas as vezes que te procuro. Mas hoje, hoje o que te escrevo é uma dissertação. Uma dissertação cromática, com as mãos que ainda tremem do sobredose de ti. Com os lábios que ainda repetem, incessantemente, a textura do teu corpo. Com o olhar ainda embriagado disso, dessa coisa que se chama ternura. Disso, que em momentos, não sei se já te disse, é o único local do mundo em que me sinto em casa.
O que te escrevo é uma dissertação por dentro de mim. E dentro de mim estás sinalizada em tantos locais. Já te disse muitas vezes que és um milagre. Mas nunca te conseguirei fazer compreender até que ponto tu és um milagre. O rasto de Beleza que deixas nas coisas é demasiado. E eu, que escrevo a Beleza, eu que procuro a Beleza, sinto um aperto no peito, e uma total impossibilidade de escrever quando fazes toda essa Beleza explodir no mundo.
Desculpa, queria escrever uma crónica e não consigo. Queria escrever uma dissertação e não consigo. Queria escrever um texto poético e não consigo. Tudo isto és tu na minha cabeça. Na minha memória. No meu olhar e nos meus dedos. Tudo isto és tu, aos encontrões dentro de mim, retirando artérias do lugar, provocando estranhas luxações afectivas. Tudo isto és tu, um imenso fogo de artifício na minha alma. E eu sem palavras. De olhar fixo no céu, onde explodes em todas as cores. Eu compreendendo tudo. E agradecendo a esse mesmo céu, o milagre da tua existência e da tua confluência nos meus dias.

Tu também és a minha Febre Azul. Sempre foste. Sempre serás.

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Thursday, August 18, 2005
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“Estrutura fundamental”

Fotografia de Tamas Mack

Os que assinam como loucos conhecem a lucidez extrema. E sabem que é necessário acreditar em tudo com o espírito. E é necessário não acreditar em nada.
Fluir na grande corrente. E ser sólido como uma rocha imune aos mais diversos processos erosivos.

É o único caminho. A celebração da loucura. O apontamento meticuloso das inúmeras variações na cor e noutros elementos que compõem os dias e, por extensão, as vidas.
Existe um milagre. Um milagre imenso. E vive-se como se não existisse milagre algum.
Há que ter a força dos grandes corações. Há que ter a ousadia dos grandes espíritos.

E anotar coisas como cores. Apontar coisas como palavras suspensas. Escrever coisas como o teu corpo ou a tua voz, ou o teu olhar.

Definir espaços de embriaguez cromática. E riscar todas as fronteiras, entre todas as coisas.

Amar flores, e misturá-las com pornografia. Amar a pornografia e misturá-la com flores. Recolher borboletas, bem perto das mãos de deus. Ter cristais azuis nos dedos. Flechas no olhar. Labaredas no sangue.

Celebrar a loucura. E empunhá-la como uma candeia através da vida e, por regressão, dos dias.

Sorrir. É importante sorrir. E amar sorrisos. E entender sorrisos. Fazer uma recolha exaustiva de sorrisos. Delineá-los nas características essenciais. Apontar as pequenas marcas diferenciadoras.

Escrever coisas. E viver mais do que o que se escreve. E viver no que se escreve mais do que aquilo que se vive e mais do que aquilo que se escreve.

Se necessário, mover a grande rocha imune aos diversos processos erosivos e, com palavras e rasgo, dar-lhe mar, sol, e horizonte.

Não esquecer, em momento algum, que se trata de uma grande viagem. Que começou num milagre. E que num milagre terminará.

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Night-Line "Correspondência eterna"

Fotografia tirada daqui

Isto, tudo isto, tem sido escrever a história de um amor que, nunca terminando, um dia será passado. Isto, tudo isto, é escrever com lucidez e com loucura ao mesmo tempo. A lucidez vem dos factos, das palavras, das análises que fazemos da situação a, b, ou c, e da forma como as pessoas reagem às situações.
A loucura, essa, essa vem directamente do amor. Daquilo que o amor faz sentir sem filtros. Ou apesar dos filtros... Daquilo que o amor dá. E que é imenso. É de tal forma imenso que quando se escreve, há tantas coisas que têm que ser simbolizadas. Dias azuis. Noites brancas. Porque existem dias azuis e noites brancas, de facto, mas eu não sei escrever a magia dessas noites e desses dias. E os símbolos são concentrações de conceitos onde se pode pressentir essa magia. Pressentir o que nela existe de especial.
Não me queixo de escrever a história deste amor. Não me queixo porque tenho a consciência de escrever a história do maior amor que já vivi. Não me queixo porque a loucura é uma alegria de símbolos a explodirem em metáforas dentro de mim. Não me queixo porque tudo isto é belo demais.
O fim. Os dias que virão. O que o futuro reserva. Posso prever. Analiticamente posso prever. Só que é uma opção que tomo, consciente. A opção de amar. A opção de preferir amar à opção de tentar esquecer um amor que, sei-o, é inesquecível.
Mas não opto porque, de todas as formas, não poderia esquecer. Opto porque não existe nada como amar. Não existe nada como amar-te. Todas as palavras têm alguma coisa quando as dizes. O teu sorriso é sempre uma fonte de magia dentro de mim.
Eu conheço-te tão bem, tão profundamente. Conheço a tua alma de uma forma... não sei, eu antes nem acreditava em almas. Conheço a tua. Amo-a. Passei a acreditar em almas porque comecei a amar a tua.
O tempo pode vir e tirar-me a tua presença diária. O tempo pode vir e tirar-me a comunicação próxima. O grande milagre dos dias todos.
Mas o tempo não me pode tirar isto. Esta coisa especial. Este tesouro. Esta coisa de sol e de plutão que mudou a minha vida. Que a tornou infinitamente melhor. O tempo não pode tirar um tesouro a uma criança de 30 anos.
Talvez o tempo te leve. Mas de dentro de mim, não sairás nunca. E dentro de mim serás sempre a criança pequena que eu amo profundamente. Dentro de mim, serás sempre pequenina. E dentro de mim proteger-te-ei sempre. De mim próprio, muitas vezes. De ti, outras. Do mundo, sempre.

De dentro de mim, o tempo nunca te levará. Jamais.

E de fora de mim, talvez o tempo te leve. Talvez.
Mas de dentro de mim nada jamais te levará. Nada. Jamais.

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Wednesday, August 17, 2005
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“Manual de Pornografia VII – karma. eternidade.”

Enlouquece-se porque os dias o pedem, com uma enorme pureza na luz e nas horas.

Enlouquece-se porque as noites são configurações improváveis, grandes caminhos em direcção a mil portos. E a única cartografia são as coordenadas dos teus sentidos.

Enlouquece-se porque a Beleza é uma profusão contínua. Enlouquece-se porque as coisas puras nos pedem. E enlouquece-se com um cântico nos lábios.

Enlouquece-se com uma coisa sagrada na íris. Um rasgo de eternidade, transversal, no olhar e nos dias.
Uma compulsão para ti. Uma compulsão para tudo o que vem de ti.

Uma doença maravilhosa.

Hesito. Hesito no tom das minhas palavras. Porque a minha loucura, esta loucura, é feita de ternura e de violência. E encontra o espaço para o teu corpo aí, na configuração da ternura e da violência.

Tudo escapa no meio das palavras. A tua vida, a tua presença física nos locais, a luz que te envolve. E este feitiço, este encantamento de te saber sempre, de saber cada desvio no teu movimento, cada rota de cada uma das tuas palavras.

Uma doença maravilhosa.

Falo contigo. De noite. E pergunto-te sempre, “estás nua?” e é essa a pergunta que esperas. E é a minha voz que esperas. E estarás nua. Estarás nua. Branca.

Começa a dissertação sobre as tuas pernas abertas na cama. A excitação que se apodera de ti. Em cada segundo. O rasto húmido do teu desejo. O calor.

Às vezes, há uma lágrima. Às vezes chora-se. Porque a alma estremece quando olha a Beleza. E sucumbe. Enlouquece porque as coisas puras o pedem.

Amo-te. Mas isso é pouco. Na voragem das palavras, este foder-te enquanto te amo, este amar-te enquanto te fodo. Estas imagens, a tua nudez em tantos espaços, húmida, vibrante, e eu dentro de ti. E em toda a parte. Na alma. E tu na alma e em toda a parte. Uma imensa loucura!

Uma doença maravilhosa.


Uma patologia cromática, sensitiva, espiritual.
Repetição de ti a cada momento. Internamento provável. Rebentação azul em toda a parte.

É maravilhoso estar louco. É maravilhoso estar no ímpeto de todos os sentidos. É maravilhosa esta aura, nas semanas e nos anos.

Haverá um fim? Que importa isso?
Estou louco! Louco! Profético! E com uma alegria insondável nos lábios e nos olhos...

Manual de Pornografia Sete. O do Karma. O da Eternidade.

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Tuesday, August 16, 2005
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“Manual de Pornografia VI – as almas. o carbono”

Fotografia por Toshi

A instrução repete-se desde o código genético. O carbono assimila a faculdade sensitiva. E uma profecia embriaga todos os receptores nervosos.

Induzes o branco ao carbono, e a profecia realiza-se. Embriaga-me.

Viver com o carbono enlouquecido de ti. Viver com as tuas derivações pornográficas disseminadas na estrutura genética do meu ser.

Empurras as palavras. Com violência. E eu bebo o sangue do impacto. Com a alegria desta loucura nova.
Empurras as palavras. A explosão das estrelas no teu orgasmo. As estrelas falam uma nova linguagem.
Que celebro.
No teu corpo. Por dentro da tua alma.

Inscreves a alma no carbono. E ela dança dentro de mim. A estrutura genética pensa-te a cada segundo.
A estrutura genética dissemina-te, nos poros da pele, a cada momento.

Esta faculdade sensitiva. Este conhecimento de ti.
Este longo tragar de loucura nos dias.
Este longo tragar de vida por entre as semanas e os anos.

O Manual é de Pornografia.
Podia ser sobre as Almas.

As almas que se debruçam no impacto violento dos orgasmos. As almas que irrompem na boca, nas mãos, nas costas, na pele, nos olhos.

As almas que fodem.

O amor é impulsionado para o limite na conjugação do verbo.
E esta coisa de sexo e eternidade, é assimilada pelo carbono.

E a instrução repete-se desde o código genético.

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Monday, August 15, 2005
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“Patologia cromática – infância e azul”

Fotografia de Darlene Boucher

Os passos de um louco no andar de cima. Na mente.
No rumor dos passos, reencontro as faces múltiplas da loucura e do sonho.

E sonho com o advento da grande mancha azul, nos céus absurdamente quotidianos.
É por isto que trago o espírito no sangue, na derme, num imenso movimento de frente para o mundo.

Amar a sagrada loucura. Amar a insustentável demência.

Ver crescer nos dedos a paixão primordial. O primeiro movimento. E verter a paixão nos dias. E imprimir a cor ágil do olhar que dança.

Como a criança. Como a infância.

Regressar à infância. Com coisas puras. Recusar a visita a um cemitério prematuro.
A criança não morre. Nunca. É assassinada pelo estertor do mundo cinzento. E visitada, de quando em vez, pelo longínquo parente que assumiu a sua corporalidade.

Trazer a criança para os dias. E vê-la redescobrir a pureza no jogo da loucura. No jogo da demência.

Vê-la redescobrir a cor dos dias na imensidão do caminho. De frente para o mundo cinzento. Com coisas coloridas nos lábios.

Amar a criança. No princípio, no fim. Todos os dias.

Os passos de um louco no andar de cima. E a revelação consanguínea das faces múltiplas da loucura e do sonho.

O sagrado nascimento dos rostos puros. Na mente.
No mundo.

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Sunday, August 14, 2005
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“Manual de Pornografia V – a cidade enlouquecida”

Fotografia por Kim Culbert

O néon, na cidade enlouquecida, fragmenta a noite numa espiral de coisas que brilham, de coisas brancas. Uma fome do tacto, uma coisa atravessada nos versos, um verbo quase dito.

Uma frase que já te disse, imperativa.

Tenho que te dizer as palavras, no seu ritmo. Tenho que te dizer a hipnose que existe dentro de mim. Tenho que te dizer o labirinto. Tenho que te dizer a dança que avança nas horas.

O calor embriaga-me hoje. E bêbedo, saio pelas ruas, pelos caminhos, procuro a apoteose desta alucinação, a perpetuação da minha loucura.
E a perpetuação da minha loucura está no teu corpo, porque o teu corpo é uma premência, uma luz branca no meu olhar volátil.

Hoje avanço na senda da loucura, e nos meus passos apaixonados, transformo tudo em metáforas. Todas as coisas são uma grande, uma gigantesca metáfora. Um inexplicável enigma.
E uma resposta confusa, louca. Este “tu” que trago sempre nos lábios. Esta coisa de fogo que trago sempre nos olhos.

É noite, e o calor da cidade embriaga-me. É noite e a loucura da cidade enlouquece-me.
Olhas-me através da cidade enlouquecida. Olhas-me no fundo das casas, no espaço das ruas, no ar quente que se suspende. Olhas-me em todas as coisas.

A cidade enlouqueceu por ti. E eu amo-a. Enlouquecida. Bêbeda. Nocturna. Um anjo caído em desgraça, uma puta subitamente adorada pela profusão politeísta que avança dentro de mim.

As pernas abertas, a luz que as fixa.
Este gigantesco carrossel de flores e de pornografia que inventas em mim.

Esta dissertação sobre o anjo e sobre a puta. Esta dissertação sobre a saliva e sobre o suor e sobre o esperma. Esta dissertação sobre a pressão do meu corpo contra o teu. Do teu corpo contra a parede. Da parede contra o tempo. Do tempo contra a morte. Da morte contra o enigma. Do enigma para a resposta.

Louca, confusa.
Este “tu” que trago sempre nos lábios. Esta coisa de fogo que trago sempre nos olhos.

A cidade enlouqueceu por ti. Da tua loucura. A cidade é um imenso felino que avança por dentro dos meus dias. É uma coisa feita de improbabilidades geométricas e de palavras sôfregas. A cidade é a cor do movimento inicial no mundo.

A cidade é esta loucura que induzes às coisas. Esta palavra nos lábios, esta coisa de fogo nos olhos.

A cidade é o meu esperma na pele das tuas costas. Os meus lábios no impacto de estrelas do teu orgasmo. E a vida no meio de nós, como uma aura nas semanas e nos anos.

Como uma tulipa em chamas na tua alma. Como a tua alma em mim. Como os nossos corpos na alma, na pornografia quente da flor.

Os corpos desafiam a noite e a sanidade nas pétalas de uma tulipa que arde.
Os corpos inscrevem a Beleza extrema, a face fundamental da voragem, nas labaredas que incendeiam tudo, o mundo inteiro.

A cidade enlouqueceu. E ama os corpos que celebram este imenso fogo líquido.

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Thursday, August 11, 2005
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As Cantáridas – The Spanish Fly

"... uma tintura de esperma e de cantáridas... "
- Henry Miller, "Trópico de Capricórnio"

A tua existência é uma concentração selvagem de antigos rituais iniciáticos, de tempestades imparáveis na noite do tempo, uma explosão de sol e de cantáridas na grande máquina criativa das minhas percepções.
Filtras os meus dias como se eles te pertencessem. Filtras as minhas palavras, como se elas fossem tuas. Como se tudo em meu redor fosse um imenso caudal sugado para ti, por ti própria, e pela minha insistência em ti.
Expandes os meus dias, como se eles fossem teus. Como se eu fosse um prolongamento das tuas fantasias, das tuas intuições químicas, das tuas derivações pornográficas, das grandes certezas brancas na espuma incerta dos dias.
Canto este prolongamento com uma alegria insondável, com uma loucura dentro da loucura, com uma fome dentro da fome, com um rasgo de eternidade na íris.
Canto este caminho como se ele existisse. E ele forma-se no canto. Ele constrói-se nos passos. Ele afirma-se de cada vez que o tentamos apagar, e uma grande rebentação sensitiva o inscreve na nossa memória.
Como uma tatuagem que fazemos e não sabemos. Como uma certeza de luz e de cor, no espaço entre o sangue, a água, a areia e os dias.
Este caminho avança pelo meio de nós. Este caminho leva-nos quando se cria. Este caminho traz-me o fluxo imparável das coisas que começam.
Este caminho são versos ionizados. São palavras electrificadas na voltagem dos nossos orgasmos.
A tua existência é um selo na minha loucura. Uma marca de identidade na minha voragem sensitiva. Uma explosão de carbono no código genético da minha infância eternamente recriada.
Por ti e para ti. Na explosão do sol e das cantáridas dentro de mim.

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“Liquid – II”

Não sei quanto tempo me falta daqui até ao infinito, mas sei que é tempo a mais, que é tempo que não temos. Não, não te estou a dizer que não é possível. Olha para mim. Olha para os meus olhos. Olha para o que brilha dentro de mim. Achas que te diria que é impossível? Achas que alguma coisa é impossível para mim? Não sei quanto tempo me falta até ao infinito. Mas sei que é tempo a mais. Que é tempo que não temos. E por isso, crio o infinito aqui. E esqueço o tempo que me falta, o tempo que era a mais. Já não é. Já não conta. Conta o aqui. O infinito. Este. Olha para os meus olhos. Olha para mim. Porque é nunca acreditas nas coisas que te digo? Porque é que não acreditas quando te digo que coisa alguma é impossível? Porque é que não acreditas quando te digo que subverto o tempo por ti? Porque é que não acreditas quando digo que te amo? Porque é que insistes em não acreditar em mim? Porque é que não páras e ficas, aqui, junto, perto de mim? Porque é que não páras? Porquê? Perto de mim... Perto de mim...

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Wednesday, August 10, 2005
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"A argumentação não válida"

A argumentação não válida, às vezes, escorre da tua voz. Às vezes é por ser dia, e por no dia todas as coisas se agregarem em redor de edificações frágeis, palácios corruptos, onde vivem as palavras de uma argumentação não válida. A argumentação não válida é aquela que vive de teoremas comprovados, mas que nasce de pressupostos nunca estudados e que, com a força de uma ditadura das coisas, se instala nas vidas.
Eu não sei. Às vezes acho que nasci para abrir fendas nessas coisas gigantescas que fazem das nossas vidas teatros de marionetas tristes. Às vezes acho que nasci para armadilhar as fundações desse mundo negro que se senta quotidianamente no nosso quotidiano. Às vezes acredito que as minhas palavras abrirão brechas nessa muralha. Sinto que esse mundo me procura, desde sempre, e me tenta converter ou esmagar. E desde sempre eu escapo, tantas vezes no último momento, e deixo ficar alguma coisa que, depois, irá explodir com um brilho azul, uma intensidade de cores e de coisas.
Às vezes acho que tudo isto é uma loucura, e que não vou deixar brecha nenhuma em coisa alguma. Às vezes acho que apenas enlouqueço contra as coisas, e que a única diferença entre a minha loucura e outras que vejo é isso de enlouquecer contra, e não enlouquecer no movimento dos dias.
Eu sei que não existirão tréguas, nunca. Eu sei que enlouquecendo contra, ou minando os artifícios das coisas negras, as coisas serão sempre assim e, no limite, a distinção entre combate e loucura só será validada pela eficácia. Se rebentar com alguma coisa, a minha voz virá de um mundo azul. Se enlouquecer, serei um louco e nada mais.
Regresso à argumentação não válida, porque ela está em toda a parte. Tenho um cansaço enorme de tudo. De um mundo ético e racional que se funda em verdades que não existem. A vida não é ética. É uma explosão sensorial, sensitiva, afectiva, neuronal, intelectual, sexual, de uma vastidão que apenas podemos pressentir. Eu vejo isso tudo. Eu sei que o que vejo é de uma lucidez brutal. E sou o louco com a minha lucidez. Sou o bêbedo com a minha sobriedade gigantesca, sou o que escreve miragens com o meu olhar absurdamente analítico.
Não falo do que não existe. Não escrevo sobre fugas, sobre derivações azuis, sobre caminhos imaginários. Escrevo sobre a realidade. A única. Mais forte do que todas as construções lógicas que visam parir realidades disfuncionais. Eu luto contra isso, contra a tirania das realidades disfuncionais. Como posso ser o louco? Há alguém que seja capaz de dizer que o mundo está impregnado com sanidade? O mundo é uma imensa loucura, um gigantesco estertor de demência, e não me enquadro porque estou lúcido, porque, ao contrário do mundo, eu não estou louco.
Vou continuar a pôr bombas azuis em todo o lado. Vou continuar a escrever isto e todas as coisas em todo o lado. Mando ao ar o cansaço e crio nas ruínas. Crio nas ruínas há muitos anos. Não cairei. Não agora. Ainda não feri de morte essa coisa negra. Só escoriações e hematomas, aqui e ali. Mas vou crescer no vento e nos dias, emparedar-me nas teias das palavras, circular nos labirintos onde injecto a minha sede de coisas humanas, vaguear onde o mundo ainda não chega, dentro de mim. E vou ferir de morte esta arquitectura de coisas loucas, este gigantesco mar de fealdade e de coisas cruéis.
Depois poderei morrer. Depois poderei cair.
Tenho que deixar uma coisa azul no rasto de todos os passos que dei.

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Tuesday, August 09, 2005
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“Liquid”

Vou-te dizer de uma imagem. De uma coisa. Poderosa. Poderosíssima. É um chão, branco, e existem vidros, pequenos pedaços de vidro. E existem os meus pés e os teus, calcando o vidro, como quem calca dias e distâncias. E existe o sangue, que mancha o branco do chão, como às vezes as palavras mancham os dias, e lhes imprimem uma identidade. Uma impressão digital que se crava nos dias e os torna diferentes. Dá um nome aos dias. Sabias que às vezes, no meio da vida, percebemos que vivemos entre dias que têm nome, e que isso, esse facto, é uma forma de sabermos que os dias, em nós, provêm ou tendem para algum tipo de destino que pode até ter sido forjado, ou que pode, simplesmente, ter ganho envolvência no tempo que passa?
Mas prefiro regressar ao chão branco, agora, antes de te dizer que te amo, porque sei que inevitavelmente o direi. A imagem persiste, os pés enlaçam-se e no seu desenho podes ver os contornos dos corpos que jogam o amor num percurso de sangue e de branco. Não sei quem colocou vidros neste caminho. Mas sei que os calco, e sangro, com a alegria profunda das coisas imensas. É que eu respiro beleza e violência na tua proximidade. E respiro uma beleza e uma violência devastadoras, de grandes gestos, de grandes provocações, de grandes movimentos através das coisas mais pequenas, como o passar dos dias todos, ou a vida que se vive enquanto, nas noites e nos espaços, se vive uma vida maior, de loucura, de embriaguez, de céu, de cores, de sexo e de amor. E amo viver essa vida contigo. A forma como debates o amor e o sexo. A forma como pensas que podes racionalizar todas as coisas. E entendê-las. E dar a cada uma o seu espaço natural. Como se fosse possível separá-las. Como se tudo não fosse uma grande massa simbiótica que nos empurra os sentidos para uma tensão maior, em que podemos pressentir os grandes milagres, em que podemos tocar os espaços que se escrevem numa linguagem mágica, de corpos, de vontade, de olhares que dizem mais do que todas as coisas que existem e que podem ser ditas. É por isso que, quando debates o amor e o sexo, e as suas variações, e procuras a linha divisória, a marca de identidade de um e de outro nas nossas noites, eu permaneço no teu olhar, nas coisas que o teu olhar me diz, nas coisas que o teu olhar quente, húmido, me diz. E permaneço em imagens de vidros num chão branco, com o sangue nos passos, porque essa é uma verdade maior. É essa verdade que me contas quando finalmente te esqueces que tem existir uma linha que divida as coisas e os sentimentos, uma linha que confira algum grau de sanidade às coisas que vêm com a vida, e eu sei que a vida, em si, não tem sanidade, é um fluxo imparável de todas as coisas que é possível imaginar. Prefiro quando entendes isso. Prefiro quando esqueces que as coisas deviam ser compartimentadas, estudadas, bem comportadas, e compreendes que a sua essência é um permanente mar revolto que traz ondas devastadoras ao mesmo tempo que traz a redenção de areias brancas, e de céus particularmente azuis. É quando esqueces os graus que a vida deve ter, para ser inteligível, e mergulhas na vida como ela é, e me puxas para camas, para lençóis, para enigmas de palavras, para efeitos alucinatórios que as vozes provocam quando as manhãs se confundem com o fundo das noites, e o fundo das madrugadas se confunde com dias plenos de azul. É então que as tuas palavras me trazem a pureza do sangue que desliza entre o branco e os vidros, e eu quero escapar a todas as coisas, eu quero escapar a tudo o que me possa lembrar que existem dias, que existe uma coisa que chamamos vida mas que não é vida alguma, que existem linhas que dividem e que identificam as coisas, que as catalogam para que elas não rebentem com as certezas frágeis que tantas vezes nos servem de segurança no meio das semanas e dos anos que passam. Porque eu acredito nas coisas imensas. Porque eu acredito em ti quando explodes em coisas imensas. Porque é aí que eu sei que a vida é esta coisa imensa que derruba as noites armadilhadas por espécies menores de emoções, e as transporta, nas horas, para palácios imensos onde percorres todo o branco dos lençóis e do amor, onde as palavras ocupam salas gigantescas, onde abro portas e há um vento fulminante, de amor, quando afirmo que és a minha puta e todas as coisas do mundo são o eterno jogo do teu olhar que procura em mim estas palavras, as palavras que te digo quando a única certeza que existe é esta de te amar.
É nisto que acredito. Neste palácio que seguro entre os dedos, neste palácio que cresce no calor da tua voz, neste palácio que irrompe das tuas inflexões de amor vivido ao segundo, num fluxo constante. Neste palácio onde estás em todas as camas, em todos os pedaços de chão, em todos os locais, em que te transmutas em coisas, em todas as coisas, em que no espaço de um lanço de escadas, ou de uma mera subversão na voz, voas do anjo para a puta, da menina para o gato que crava as unhas e os ângulos do olhar na natureza quase pérfida, e pura, do sexo, entre nós. Esta grande devastação das horas loucas. Esta grande corrente dos dias puros. Este grande movimento de coisas eternas que nos atravessa os dias.
Um dia, vou prender-te a algo eterno. Um dia, vou subtrair-te aos dias. E dar-te o grande impulso das coisas vertiginosas. E dar-te a grande ascensão dos vidros no chão branco, do sangue por entre os passos. Um dia a redenção das minhas imagens será tua. E então não mais escreverei. Porque nesse dia, no tal movimento devastador da vida, virá a inscrição que espero. E saberei como responder ao enigma do amor entre um peixe e uma ave. E todas as tuas perguntas terminarão. E só existirão imagens. E nós. E mais coisa nenhuma.

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Monday, August 08, 2005
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Mais coisas que leio...

"..I shambled after as I've been doing all my life after people who interest me, because the only people for me are the mad ones, the ones who are mad to live, mad to talk, mad to be saved, desirous of everything at the same time, the ones who never yawn or say a commonplace thing, but burn, burn, burn, like fabulous yellow roman candles exploding like spiders across the stars and in the middle you see the blue centerlight pop and everybody goes "Awww!.."

Jack Kerouac - On the Road

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Sunday, August 07, 2005
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“Flower Power”

As flores calaram-se hoje. Foi de manhã, cedo. Eu ainda não dormia. Creio que procurava alguma coisa na luz pura do amanhecer. Creio que o meu olhar estava distante, em algum ponto que não recordo, procurando alguma coisa que não lembro o que era, mas que sei, sinto, que era importante. Que era fundamental.
E ouvi o silêncio das flores. Ouvi-o, nitidamente. Calaram-se. Quando pensei. Quando pensei numa coisa. Que coisa era, não importa agora, porque o que importa é o silêncio das flores. Calaram-se. Creio que esperavam a tua voz. Não sei se lhes segredaste alguma coisa. Essa coisa, essa coisa que agora não importa, tinha a ver contigo. Claro. Tem sempre tudo a ver contigo. Não sou original naquilo que penso, naquilo que sinto, naquilo que expresso. Não sou. Ando em círculos e continuamente os círculos terminam e recomeçam em ti. É assim. Não o contesto. Não o tento mudar. Não creio que deva. É assim. E as flores sabem. Sempre souberam. Porque eu falo muitas vezes com as flores. Conto-lhes coisas que não conto a ninguém. Conto-lhes coisas que jamais contarei a alguém. Mesmo a ti. Há coisas que só as flores podem saber. Há coisas que só as flores conhecem. E elas calaram-se hoje. Porque eu pensei uma coisa. Uma coisa que lhes disse. Uma coisa que não creio que possa dizer a ninguém. Uma coisa que não creio que te possa dizer a ti. As flores calaram-se, acho, porque sabem que disse a verdade. Que disse uma verdade fulminante. Que disse uma verdade límpida como as próprias flores, como as borboletas, como o céu dos dias que amanhecem. E creio que esperaram a tua voz. Esperaram, creio, um reflexo dessa verdade límpida. Esperaram a tua verdade límpida. Não sei se falaste com as flores. Porque entretanto estava exausto e fui dormir. Porque entretanto o que havia a dizer era entre ti e as flores. Já não era comigo. Ainda que pudesse ser para mim. Podes dizê-lo às flores. Elas não mo dirão. Como não te dizem tantas coisas que lhes digo sobre ti. Como não te dirão o que lhes disse hoje, quando amanhecia, e elas se silenciaram à espera do vento da tua voz.
Amo as flores. Por isso lhes conto o que muda em mim por tua causa. Por isso lhes conto o que espero. Por isso lhes conto o que sei. Por isso lhes conto o que não espero e o que não sei e até o que não quero saber. Por isso lhes conto o que não muda em mim. O que não muda por existires. O que não quero que mude. O que não sei se quero que mude. O que talvez queira que mude. Conto-lhes tudo. Conto-lhes todas as minhas coisas. As minhas certezas. As minhas dúvidas. A forma como umas se transformam nas outras e como eu, no meio dos dias, vou passando de umas para outras, agarrando-me a umas e a outras, para chegar ao outro dia, para continuar perto das flores, para continuar neste caminho que tem a ver contigo, não sei se perto, se longe, não sei se na presença ou na ausência, mas que sei que tem a ver contigo.
As flores calaram-se hoje. Falarão logo. Quando eu as procurar. E devolver-me-ão o que lhes dei esta manhã. É sempre assim. Devolvem-me o que apreendo. Devolvem-me o que percebo. Devolvem-me as coisas que surgem, no meio da vida, como clarões impossíveis, como verdades incontornáveis, como coisas que tornam mais mágicos os dias, mesmo que essas coisas fiquem para sempre, como um todo, guardadas dentro de mim. Depois sairão. Nas palavras. Escritas. Faladas. No olhar. Na minha interacção com as coisas, essas verdades sairão de mim para o mundo, e serão a forma como eu vejo o mundo e tudo o que me rodeia. Porque é sempre assim. Porque o que aprendo, conto às flores. E as flores contam-me o que aprendo. E o que aprendo com as flores sai nas minhas palavras. Não é que entenda muito. Mas às vezes acredito que entendo coisas fundamentais. E sei que as flores, sempre as flores, as entendem. Porque a essência das flores é a mesma essência dessas coisas fundamentais. E essa essência é a minha também. E é a tua, eu sei.
Posso simplificar tudo isto. Logo, quando as flores me disserem. Eu lembro-me do que lhes disse. Eu lembro-me do que me assaltou com a força de uma vida a nascer dentro de mim. As coisas essenciais. As coisas puras. As coisas que se descobrem no reverso de outras coisas. O que se vê na essência. O que se vê na nudez dos momentos. O que se vê no tumulto, no turbilhão, nas grandes agitações. Há algo que permanece, puro como uma flor, límpido como água. Há algo que se vê em tudo. Há algo que vejo em todas as coisas. Há algo que às vezes te digo.
Há algo que as flores sabem. Há algo que eu sei. Há algo que tu sabes.

É uma transparência. Uma imagem no reverso dos dias. Uma inscrição no tempo.

Uma coisa essencial que renasce em todas as flores, todos os dias. Está nas pétalas, no cálice, no caule, no pólen. Está no cheiro. E está no silêncio.

Está sempre nas flores. E em mim. E em ti. E no mundo.

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Coisas que leio...

"We’re creators by permission, by grace as it were. No one creates alone, of and by himself. An artist is an instrument that registers something already existent, something which belongs to the whole world, and which, if he is an artist, he is compelled to give back to the world."

Henry Miller, Sexus

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Saturday, August 06, 2005
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“...and all the words"

Não existe nada no mundo assim. As circunferências, às vezes, procuram raios imaginários, medidas que lhes possam dar uma dimensão que não têm. As circunferências expandem-se, indefinidamente, na viagem da tua voz.
E eu fico por fora, e vejo as circunferências, os círculos que esticas até próximo do infinito, até qualquer ponto dentro de mim que reconhece que não existe outra unidade de medida assim no mundo.
Partes linhas geométricas com a tua profusão contínua. Deixas o tempo, perdido, à procura de minutos que não existem porque os sugas quando abres os lábios com a tua sede de mim.
Que fazemos do tempo? Como o vulgarizamos? Que é isto, esta coisa que cresce, esta coisa que vem por dentro, por dentro de nós, pelo meio de espaços, de momentos, encravada em palavras que se cravam no tempo? Como o vulgarizamos? Como o fazemos desaparecer e reaparecer à procura de nós, dos minutos que lhe roubamos, da continuidade que lhe tiramos quando sugamos todas as coisas do mundo para dentro do nosso mundo de corpos e palavras.
Que é isto? Uma viagem. Um tiro. Uma explosão. Uma fragmentação de coisas. Uma coisa que nasce no sangue ou na noite e que cresce, nas veias ou nas paredes da casa, e nos toma de assalto. E nós tomamos o mundo de assalto. As circunferências, o tempo. O Espaço. Deixas o espaço perdido, à procura da matéria que lhe tiras para a condensares no teu movimento, no meu movimento. Deixas o espaço perdido, porque há águas que sobem desde os mais recônditos locais do mundo e se deixam cair no meio das tuas pernas, onde as bebo, como se só assim pudesse, finalmente, chegar a todos os pontos da vida que não conheço nem conhecerei.
O que é tudo isto? Porque é que isto nasce de palavras? Porque é que isto nasce de coisas como entoações na voz? Porque é que isto nasce de coisas como pressentir o ângulo de um olhar? Porque é que eu sinto que isto cresce nas árvores, e nos passeios, e nas ruas, e nas estrelas, e nas paredes dos prédios, e nos quilómetros, e nas estações de serviço, e nos morcegos, e nas borboletas, e em todas, todas as coisas da noite, e cresce, nosso, e cresce em tudo isto, e tudo isto se torna nosso, quando te lanças sobre mim com a agilidade de um felino, com a violência de um desejo, com a premência do teu corpo de mulher?
Porque é que eu sinto que isto cresce em mim, e em todas as coisas, no ar, no cigarro que acendo e não fumo, nos paralelos quentes do Verão esgotante, no mármore frio dos dias distantes, em todas as coisas, cresce, e é nosso, quando me lanço sobre ti com o corte abrupto de uma palavra, com o dessincronismo da respiração que se fixa em ti e rouba o ar a tudo o que respira em meu redor, com o incêndio do meu corpo circunscrito às labaredas que irrompem em toda a extensão da tua pele?
Porque é que escrevo, se até as palavras roubamos, e elas depois andam, no quarto, nas camas, no céu, nas ruas, desnorteadas, à procura das frases a que pertenciam antes de as termos estilhaçado todas?

Porque é que te olho, no fim, e vejo o triunfo da pornografia?
Porque é que te olho no fim, e vejo o triunfo dos teus orgasmos e do meu esperma, anelados, como uma existência simbiótica criada entre verbos, substantivos, respirações que se cortam, tempos que se perdem, círculos que enlouquecem com raios imaginários, frases que se reagrupam no meio das nossas vidas?

Porque é que te olho, no fim, e sei que nunca nada no mundo é assim?
Porque é que te olho, agora, e me lembro de flores?
Porque é que te olho agora, e me lembro de borboletas?
Porque é que te olho agora, e me lembro de qualquer coisa em que sorris?

Porque é que nada no mundo é assim? Porque é que, por vezes, tu e eu somos?

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Friday, August 05, 2005
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Auto-retrato às 15:21 do dia 5 de Agosto de 2005... E fim dos auto-retratos neste blog, penso eu...

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Auto-retrato permanente, desde o dia 7 de Fevereiro de 2005...

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Auto-retrato às 3:14 do dia 5 de Agosto de 2005...

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Auto retrato, às 2:33 do dia 5 de Agosto de 2005...

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“Metade de ti e eu próprio”

Nem sempre as tuas lágrimas me silenciaram. Nem sempre. Recordo coisas, palavras, minhas, quando eu tentava segurar as tuas lágrimas. Para que não caíssem. Era dia, sempre. Quer dizer, também era noite, e quase sempre era noite, mas havia uma lógica, uma continuidade em tudo, e portanto, era sempre como se fosse dia. Era o tempo em que eu conseguia segurar as tuas lágrimas. Era um tempo diferente. Nem sempre o conseguia, podes dizer. Mas sei que as segurava. No fundo da tua face. E no reverso de mim vias-te a ti própria, como eu me via, sempre, no reverso de ti. Foi por isso que começamos a falar em almas gémeas, em encarnações de outras vidas. Por causa dessas imagens no reverso, por causa das coisas que eram só quase desconhecidas. Quase. Porque na sua essência, todas as coisas, entre nós, eram uma redescoberta de alguma natureza profunda. Essencial. Não sei como te dizer isto. Mas água, água é a imagem que me ocorre.
Eu também tinha lágrimas. Tu também as seguravas. Sim, não te silenciavam as minhas lágrimas. E, no fundo de ti, compreendias sempre as derivações de água e sal no meu rosto. Sabias. Sabias sempre. Porque, uma vez mais, te vias no reverso exacto de mim.
As madrugadas eram grandes. Longas. Parecia que escapavam ao tempo. Parecia que se subtraíam aos relógios e nos encadeavam, a nós, num movimento diferente, temporal também, mas sem fim, num movimento mais espacial do que temporal, num movimento quase geométrico, de desenhos, de cores, de coisas, muitas coisas, que esperavam por nós, no âmago da madrugada para saltarem do mundo para dentro do nosso mundo. O amor. Tu sabes.

Mas sabes, as tuas lagrimas silenciaram-me. Porque não existem palavras que possam ser ditas. Porque talvez nem sequer existam palavras que possam ser escritas. Mas eu insisto. Disse-te uma vez que escrever era uma forma de resistir. Às vezes, até, pode ser mais. Pode ser uma forma de existir. Por isso, escrevo, agora, nos dias em que as minhas mãos estão longe, nos dias em que as minhas palavras me aparecem revestidas de inocuidade sonora, e as tuas lágrimas caem, sem que eu as segure. Escrevo-te porque quero que saibas que invento, no escuro, uma forma de segurar as tuas lágrimas. Escrevo-te porque quero que saibas que na noite procuro uma fórmula para te sustentar as emoções, nos dedos, num equilíbrio instável, em que ninguém acredita, talvez só metade de ti e eu próprio.

Mas todas as coisas são difíceis. Segurar uma vela quando sopram ventos de todo o lado. Acender uma vela quando estamos num vácuo. Coisas impossíveis que nos podem acontecer de um segundo para o outro. Procuramos abrigo para o fogo? Procuramos oxigénio para a combustão? Eu sei que as portas não estão todas fechadas. Eu sei que existe um caminho para fora deste labirinto. Eu sei. E não saio agora. Não ainda. Ouço a tua voz. Sei que estás perto. Próxima. No labirinto. Quero trazer-te para fora. Quero encontrar-te e depois descobrir o caminho. Quero dar-te o sol, compreendes? Não quero, não quero que me dês nada. Não agora. Só no dia em que eu souber segurar as tuas lágrimas. Se algum dia souber. Mas entende que a minha natureza é esta, e agora, enquanto as tuas lágrimas caem, eu deixo-me cair com elas.
Depois levanto-me. E mostro-te a minha face. E espero que vejas o reverso de ti, quando me volto. Sei que vês. Sei que não é tudo. Sei que há muito mais. Sei que existem muitas coisas. Sei que existe quase tudo.
E eu estruturo o texto e a vida nesse quase. Porque o quase é uma brecha. Uma brecha em paredes enormes, de betão e de factos futuros que nascem com a presunção de estarem consumados.

Eu vou pela brecha. Sempre. E espero encontrar o horizonte do lado de lá. Nada de muros. Nada de coisas de betão. Nada de certezas futuras prematuramente consumadas.
Preciso de uma estrada, percebes? Preciso de uma estrada. E de te tirar do labirinto e dar-te o sol e a estrada. O mundo ri-se destas coisas que escrevo. O mundo ri-se destes meus planos, destes meus sonhos. Não sabe. Não sabe as cores. Não sabe o que significa “reverso de ti”. Não sabe. Por isso ri. Por isso se entretém com os meus grandes, vastos projectos.

O mundo já não me reconhece. Já se esqueceu de mim. Mas houve um dia em que eu segurava madrugadas nos dedos e tas dava em beijos até amanhecer. Eu era mágico. E o mundo rendia-se à minha magia. Desapareci. E o mundo não me reconhece. E ri. Rirá. Dias e noites sem fim. Até ao dia em que pegar numa madrugada com os dedos e ta colocar nos lábios. Até ao dia em que eu segurar nos lábios o sol intenso do amanhecer e lhe explicar que é em ti que deve nascer.

Porque és tu quem, nesse dia, renasce.

O mundo não rirá, então. Sorrirá. E saberá que sou mágico, outra vez. E não duvidará de uma única das minhas palavras. E nesse dia as tuas lágrimas serão minhas. E eu farei rios delas. E tu fluirás com as correntes. E eu ver-te-ei fluir, ir, partir. Partir. Não tenho medo da palavra. Estou dentro de ti. Como tu estás dentro de mim. Partir não existe.
Tudo é regressar. Sempre. Retornar. Regressar. À essência. Ao centro.

Àquela coisa azul. Àquela coisa azul que é Inquebrável.

Porto, 5 de agosto de 2005 1:08

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Thursday, August 04, 2005
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"Excerto"

As coisas líquidas permanecem. Assim como permanecem as coisas do fogo. Assim como subsistem as variações das cores. Assim como resistem as palavras. Assim como os dias, carregados de estrelas e de sinais, continuam a passar perante mim. Não, eu não acredito na morte.

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Wednesday, August 03, 2005
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Fast Drive

Um dia páro. Sento-me no chão, encostado a uma parede, e fico para aí um ano inteiro a chorar. Ininterruptamente.
Até lá, acelero. E levo os dias, e todas as coisas, na minha velocidade de voragem, de vertigem, de cascata e de astro fulminante. Acima das 8000 rpm. Todos os dias. Ou abrando.
E descubro-te no meio... no meio de qualquer coisa... não sei...

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“História provável para um amor à primeira vista”

Menina, gostas de sonhos? Gostas mesmo? Tens muitos? Tens muitos de muitas cores?
Que sonhos são? São sonhos de quê? Queres ver os meus? Eu tenho muitos.

De menino. E de muitas cores, sabes? São sonhos de coisas, de muitas coisas, percebes? Queres ver? Posso ver os teus?

Dás-me alguns dos teus? Eu dou-te dos meus, também.
Trocamos todos? Ficas com os meus e eu com os teus, assim, sem os explicarmos? Sim? Sim! Sim!


nota: às 2:02 minutos, o autor deste post tomou uma poção mágica, que um druida lhe deu, e voltou à infância... Depois, escreveu...

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Tuesday, August 02, 2005
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"Correspondência Interna"

Por uma correspondência interna de factores, entendo o movimento lento das montanhas, a sua peregrinação de séculos a caminho do céu. Por uma correspondência interna de factores, entendo o movimento imperceptível das flores, a sua essência feminina largando segredos no ar. Por uma correspondência interna de factores, entendo o silêncio incorruptível das noites densas. O que deixam no ar. O que deixam para aqueles que entendem os códigos sem palavras.
Por uma correspondência interna de factores compreendo a explosão do sol todos os dias. O seu incêndio de paixão, de corpos suados largados contra o tempo, â margem do tempo.
Por uma correspondência interna de factores, compreendo a essência branca da lua. Compreendo as suas matizes pornográficas, que incendeiam as noites dos que procuram o amor.
Por uma correspondência interna de factores, compreendo o movimento dos corpos. O seu longo caminho até à morte ou a sua alegre dança por entre as florestas dos dias.
Por uma correspondência interna de factores, compreendo os espíritos convulsos. Compreendo a sua profusão de palavras, a sua sede de infinito, o seu eterno labor nas coisas escritas. Compreendo o sangue que escorre das palavras. Compreendo a seiva vital que as cria, que as exige, que as clama.
Por uma correspondência interna de factores, compreendo a articulação anelar dos corpos no amor. Compreendo a sede de sudação. Compreendo a sede de alguma coisa total, brutal, de alguma coisa capaz de parar a passagem de um segundo. De alguma coisa capaz de bloquear a abstracção do tempo com a dança dos corpos que se amam.
Por uma correspondência interna de factores, compreendo o vício. O vício do amor. O vício do olhar. O vício das mãos que se tocam. O vício das coisas quase ditas. O vício das coisas quase sentidas. O vício dos dias quase implodidos. E o vício da explosão disto tudo.
Por uma correspondência interna de factores, compreendo o mundo que, todos os dias, me nasce na ponta dos dedos.
Por uma correspondência interna de factores, compreendo o milagre.
E por uma correspondência interna de factores, sou dos dias, das noites, do sol, da lua, das estrelas, dos corpos, das palavras, das cores e do amor.
Por uma correspondência interna dos factores, eu sou parte do milagre.

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"The i(r)onic disclosure"

Sento-me aqui. Não te quero falar de nada. Quero que me fales tu. Sei que não tens nada para me dizer. Nada. Nem eu a ti.
É profundamente triste. Mas não sinto tristeza alguma. Já estou longe. Tal como tu.

Um dia idealizarás a nossa história. Eu não. Eu já o fiz. Tu ainda o farás, e será um erro. Será criares em ti uma tendência refluxa num mundo que não anda para trás.
Depois, arranjarás um lugar especial, dentro de ti, para a nossa história. Será um erro. Se não foi especial agora, porque quererás no futuro resgatar um brilho que no passado recusaste? Não devias. Em nada diminui a tua culpa na nossa morte. Em nada torna a nossa história mais bonita. Porque falhou. Em nada torna a nossa morte mais bonita.
Porque não existe beleza alguma na morte de um amor, nos dias, abandonado pelo teu medo e pelas tuas certezas que nunca valeram nada, mas que, pelos vistos, valeram mais do que o amor que, depois, afirmarás ter sido especial.
Não foi.

O que é que nos aconteceu?
Nunca pensei que um dia esta frase me surpreendesse assim, como um corpo estranho que me interroga sobre algo a que já não pertenço. Nunca pensei que esta frase me surpreendesse assim, sem ter quase importância alguma.

Por isso te digo que é triste. Por isso te digo que não foi especial. Não podes chamar especial ao que deixaste morrer. Eu posso, porque morreu enquanto eu tentava que resistisse, que fosse especial, como eu acreditava que era.
Mas não chamo especial a nossa história, o nosso amor. Não.

É muito triste, mas a verdade é que não sinto que tu o mereças.

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Night Line – dos Sentidos

A cidade à noite, traz o teu segredo. A tua forma de entrares na minha vida. Essa forma que não chego a compreender. Não quero compreender. Enquanto puder sentir, as coisas, as coisas brancas, as coisas que são da pornografia e do sexo.

É uma espécie de loucura. Claro que é. Mas trago-a dentro de mim. No meu peito. No meu olhar. Acho que assusto os outros. Porque o meu olhar brilha. E não entendem. Porque pensam que um olhar brilha com rapinagem medíocre. Não entendem que um olhar brilha com coisas brancas. Com pornografia. Com Sexo.

Digo pornografia, porque preciso de uma palavra forte. Preciso de uma palavra forte, da mesma força com que te agarro as ancas, e te dispo o olhar e os lábios. Da mesma força da nossa saliva, da nossa violência de amar.
Digo pornografia porque preciso de uma palavra concentrada. De uma palavra da mesma concentração de coisas, tantas coisas, cores, imagens, preto e branco, vertigem e queda e ascensão. De toda esta concentração de coisas quando estás nua, de costas, e todo o teu corpo desenha um abismo em movimentos angulares.

Eu podia dizer amor. Mas não quero. Não quero, não agora.

Agora quero os sentidos. Não quero mais nada. Só os teus sentidos. E os meus. A submersão. As coisas que irrompem e explodem. O suor. A saliva, uma vez mais. A deriva quase sem nexo. O movimento dos corpos.

Centros magnéticos. O meio das tuas pernas. A minha boca. Quero os sentidos, apenas. Eu sei que o amor também está nos sentidos. Em toda a parte. Em todos os movimentos. Em todas as suspensões. Mas entende que não quero a palavra, agora. Há uma explosão sensitiva. De noite. De dia. De tarde. Sem hora. Quando as imagens irrompem, com a força pornográfica, com a concentração pornográfica, e tomam tudo em mim, e eu passo a existir apenas em função dos sentidos do teu corpo.

É assim que preciso de ti. Agora. É assim que preciso de te ter, nua. Fêmea. É isto que preciso de encontrar em ti. Porque vagueio agora, entre as imagens. Quero-te. Quero-te mais do que se te amasse. E amo-te. E amo-te mais do que se te quisesse.

Não há diferença. Dizem que há. Não há. Não há. É preciso saber a vertigem dos sentidos e a vertigem do amor, para se saber que não existe diferença. Não existe.
Eles acreditam que sim. Eles estão errados.

E por isso, nem sabem amar nem sabem cair nos sentidos. Não sabem.

Confundem tudo. Eu não posso confundir as imagens com nada. Porque me sugam para o meio das tuas pernas, porque me sugam para o meio do teu calor húmido. Porque me tornam cego. E então só tenho lábios. E sentidos que se revezam.

E sentidos que se completam. E sentidos que dão sentido à queda de todos os sentidos.

Quero-te. Nua. Quero-te ouvir respirar. Quero a minha pele colada à tua. Quero o teu suor com o meu. Quero a tua saliva no meu corpo. Quero a minha saliva em todas as partes de ti.

Quero os teus orgasmos. Todos. Quero o teu olhar quando te vens. Quero ver-te. Quero ver-te cair. Quero ver-te segurares-te a mim. Segurar-te. E mergulhar em ti.

Quero a tua sede. Essa sede de águas, de saliva, de sémen. Quero a mais forte das tuas sedes. Quero a mais brutal de todas. Quero os teus sentidos. Todos. Num incêndio. Numa explosão.

Quero os teus sentidos entrançados nos meus.


Entendes esta frase?


Quero o teu ser.
O meu ser quer o teu ser.

O brilho no meu olhar é isto.

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"The Quebec Song"

Imagina um traço. Não imagines um traço. Imagina antes uma linha. Uma linha que sai pelo teu sorriso fora, como uma bola de fogo, em direcção ao meu olhar. Já não vês uma linha, o que vês é uma bola de fogo, o início de um incêndio. Coisas que fazes com o sorriso. Incêndios. Derivações no que escrevo.

Imagina um poema. Não imagines um poema. Imagina antes uma torrente de palavras. Palavras que saem dos teus lábios e do seu movimento angular, paralelo à noite e, provavelmente, transversal à minha vida. As coisas que fazes com os lábios. Movimentos paralelos à noite. Movimentos que entram dentro da grande extensão da minha vida.

Sabes os anos? Não podes saber. Não podes saber todos os anos, todas as coisas. Não podes. Mas podes falar, os teus lábios podem desenhar palavras e, de repente, tenho-te entre os anos. Entre as coisas.

Imagina uma flor. Não imagines uma flor. Imagina antes uma subversão de pétalas. Uma enorme subversão de pétalas nas tuas costas nuas. Há um movimento imperioso no branco das tuas costas. Um movimento de pétalas embriagadas de álcool que nasce na libido.


Imagina pornografia. Não imagines pornografia. Imagina pornografia mesmo. Pornografia mesmo, a que tem ver com olhares, com a pressão do meu corpo nas tuas costas, com os teus movimentos quase impotentes, como se te rendesses às coisas brancas, como se te rendesses à força que trago nos olhos e nos lábios e na voz. Quero-te assim. Branca. Nua. Rendida. Com pétalas subversivas nos espaços.

Imagina um sorriso. Não imagines um sorriso. Imagina um sorriso mesmo. Sorriso mesmo. Desses que nascem podendo ser uma linha, mas não são uma linha, porque trazem fogo dentro deles. Fogo que lançam no ar. Há incêndios que só eu vejo. Há incêndios que só tu vês, Há incêndios que são só nossos.

Mesmo que durem pouco. Mesmo que se consumam. Mesmo que desesperem nos dias e nas horas. Nas coisas reais, que nada têm que ver com isto.
Mesmo que te veja partir. Mesmo que não estejas aqui.
Estás. Agora. Aqui.

Isso conta. Isso dá-me tudo. A imagem que seguro. A imagem que percorro.
A tua nudez. Branca. E as pétalas. Sempre as pétalas, que me indicam o caminho do teu centro.

Enquanto te indicam, a ti, o caminho do centro da minha vida. Deixas uma coisa transversal. Azul, creio. É tua. Está em mim.

E ficará sempre.

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